Encontre matérias e conteúdos da Gazeta do Povo

Espero estar errado, mas… Maduro não sairá por bem!

Reportagem de Isabella Mayer de Moura na Gazeta do Povo mostra como Nicolás Maduro usa as velhas táticas para se manter no poder, criando oposição fake e encerrando qualquer possibilidade de diálogo com a verdadeira oposição. A turma da Noruega, sempre romântica e otimista, ainda acredita em solução pacífica e negociada, mas isso fica cada vez mais distante na realidade:

Há cerca de 40 dias os chavistas abandonaram as conversas intermediadas por Oslo e nesta semana Guaidó confirmou que o regime usou de todas as desculpas possíveis para não aceitar os pré-acordos que levariam a um processo de transição pacífica de governo na Venezuela. “O diálogo está esgotado”, disse o presidente do legislativo neste domingo (15).

Isso pegou mal para Maduro, que em todas as entrevistas que concede à imprensa estrangeira diz que já fez mais de 600 propostas e chamados ao diálogo desde que assumiu a presidência da Venezuela, em 2013. Mas usando uma cartada já bem conhecida por seus rivais, o ditador está buscando reverter a situação e melhorar sua imagem internamente ao anunciar um acordo com uma oposição “fake”, sem qualquer meios para pressionar o regime – ao contrário de Guaidó, que conta com apoio interno e reconhecimento internacional de mais de 60 países, inclusive Brasil e Estados Unidos.

Nesta segunda-feira, o ministro da Comunicação do regime, Jorge Rodríguez, anunciou que firmou um acordo com quatro partidos políticos de oposição que estabeleceram uma mesa de diálogo alternativa, sem a participação do partido de Guaidó, o Voluntad Popular, e seus principais aliados: Ação Democrática, Primero Justicia e Un Nuevo Tiempo, que formam o núcleo duro da oposição na AN – os quatro elegeram, no último pleito legislativo nacional, 85 deputados dos 167, ou seja, representam pouco mais de 50% dos parlamentares.

Como mostra a reportagem, o “acordo” vale tanto quanto a palavra de Maduro, ou seja, absolutamente nada. Segundo o diretor do Centro de Estudos Políticos da Faculdade de Direito da Universidade Católica Andrés Bello (Venezuela), Benigno Alarcón, manter o status quo é a melhor alternativa para Maduro neste momento, melhor até do que uma negociação.

A população perde esperanças na via de Guaidó, e Maduro reforça seu poder perante os militares. Guaidó dependerá dos Estados Unidos, da Colômbia, do Brasil e outros países latino-americanos para pressionar Maduro com mais cortes econômicos e, em último caso, uma intervenção militar – ou uma ameaça crível dela.

Nesse sentido, é curioso que outra reportagem, na Folha, mostre como a ala olavista do governo Bolsonaro, mais linha dura do que os pragmáticos militares, estaria convergindo para a opinião de que uma anistia a Maduro e seus comparsas seria uma boa saída:

Os dois núcleos do governo brasileiro com maior influência sobre o presidente Jair Bolsonaro concordam sobre a necessidade de oferecer anistia ao ditador Nicolás Maduro para encerrar a crise na Venezuela.

A oferta de um perdão à cúpula do governo venezuelano em troca da convocação de eleições gerais e libertação dos presos políticos já era defendida pela ala militar e, recentemente, passou a contar com a simpatia de integrantes do setor olavista.

O comando militar, considerado mais pragmático, sinalizava desde maio o apoio a uma anistia como única saída possível para o impasse no país sul-americano em crise.

Inicialmente resistente a um eventual acordo, o grupo olavista, formado por integrantes do Palácio do Planalto e do Ministério das Relações Exteriores, agora considera a alternativa necessária.

Na prática, o perdão significaria que os líderes do regime não seriam presos nem processados por ações cometidas durante o período no poder. 

A proposta dos militares vai além: eles defendem a participação de “parceiros ideológicos” da Venezuela nas tratativas. Em conversa recente com diplomatas americanos, relatada à Folha, uma autoridade brasileira ressaltou que é necessário dar uma saída política a Maduro e que uma negociação teria mais êxito caso Cuba, parceiro comercial e político do regime bolivariano, estivesse envolvida.

A anistia para um tirano assassino como Maduro é uma ideia revoltante, mas não absurda: é preciso, afinal, olhar para a frente mais do que para trás. Um crápula como Maduro e seus cúmplices saírem impunes é algo que geraria muita indignação, com toda razão, mas o foco na vida dos milhões de venezuelanos deve estar acima disso.

É verdade que anistias como esta poderiam incentivar novos regimes tiranos. É muito fácil chegar ao poder, destruir a democracia, submeter o povo à repressão total, prender dissidentes, atirar em manifestantes, espalhar milicianos cubanos pelo país, comprar os militares com a divisão do butim, e depois ir para Cuba curtir a vida com bilhões.

Mas por mais preocupante e revoltante que seja o caminho da anistia, ele é melhor do que uma guerra civil plena ou a manutenção do tirano no poder. O problema é outro: Maduro dificilmente aceitaria. Ele sabe que, no dia seguinte, sem o poder nas mãos, sua vida não vale mais nada. E ele não vai confiar na palavra de outro ditador, pois sabe melhor do que isso, ainda mais cheio da grana e sem proteção.

Maduro, portanto, precisa continuar no poder para sobreviver. E conta com o apoio da Rússia e da China. Em entrevista à Folha, ele só fez mentir de forma compulsiva, e por isso tais “entrevistas” têm pouco valor. Mas vale o que ele diz nas entrelinhas: e exala em cada palavra o tom de ameaça, a lembrança de que tem milhões sob seu comando prontos para o combate, as armas e o apoio russo. É o alerta: se tentarem me tirar, haverá guerra. E esse alerta vinha em meio a várias declarações de como ele é um sujeito da paz…

O editorial da Folha hoje comentou a entrevista concedida a Mônica Bergamo, e até que foi razoável em sua análise – em se tratando de um jornal de esquerda. Faltou só culpar o socialismo pela desgraça venezuelana, e incluir o PSOL na lista dos apoiadores do regime nefasto:

De 2014 para cá, a economia do país encolheu 60%. Se a derrocada continuar, o que é provável, chegará a 2022 reduzida a um terço do que era uma década antes. A inflação anual atinge 10 milhões por cento: os preços dobram ao ritmo das epidemias, a cada 22 dias.

Espalham-se doenças que se julgavam controladas, como a difteria. Nos hospitais, as faltas de energia matam pacientes. Outros, como portadores do HIV, morrem porque não há medicamentos.

Pessoas pobres passam dez horas por dia na fila para obter alimento, e a subnutrição campeia. Meninas trocam sexo por comida, e a gravidez juvenil dispara. Quatro milhões de venezuelanos, quase 15% da população, já fugiram do país, segundo estimativas.

Adversários do regime são detidos às centenas, impedidos de competir nas urnas ou forçados ao exílio. […] A parte lúcida da esquerda sul-americana, que passou a criticar a bizarrice autoritária do chavismo, foi tachada de estúpida e traidora —no Brasil, Maduro há de estar contente com o servilismo do PT. […] Maduro prega para sua banda de fanáticos.

O jornal descreveu bem a situação calamitosa no país, mas esqueceu de identificar o verdadeiro responsável: o socialismo. Esquerda lúcida só por condenar, bem tardiamente, o regime ditatorial, como fez Pepe Mujica, é forçar demais a barra. E ignorar o PSOL na lista é inadmissível, mas diz muito sobre o próprio jornal.

Enfim, Maduro é um ditador cruel, apoiado por traficantes e militares que são cúmplices na pilhagem, e não é razoável supor que todos eles vão simplesmente embora num acordo negociado. Trata-se de uma ilusão. Eu espero realmente estar equivocado, mas Maduro só sai à força.

Rodrigo Constantino

Principais Manchetes

Receba nossas notícias NO CELULAR

WhatsappTelegram

WHATSAPP: As regras de privacidade dos grupos são definidas pelo WhatsApp. Ao entrar, seu número pode ser visto por outros integrantes do grupo.