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Freud: um conservador rebelde
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A morte de Freud completou 75 anos nessa semana. Escrevi recentemente um ensaio sustentando a tese de que o “pai da psicanálise” não era um “progressista”, e sim um conservador em sua essência, ainda que de forma peculiar. Fico feliz ao ver que Elisabeth Roudinesco, grande especialista em Freud e que acaba de lançar nova biografia sobre ele, o define justamente como um “conservador rebelde”. Ela diz em entrevista ao GLOBO:

A senhora define Freud como um “conservador rebelde”. Por quê?

Sem dúvida é um conservador rebelde. Ele entrou em rebelião contra os modos de pensar majoritários de sua época. Ele é um liberal conservador, que induziu uma revolução do íntimo. É contemporâneo do socialismo, do comunismo, do feminismo, de todos os movimentos de emancipação. Mas sua característica é que retorne sempre ao Antigo, algo muito típico também de Viena e da cultura alemã. Para fazer uma revolução do íntimo, vai buscar modelos míticos na tragédia grega e não na modernidade literária, a qual, aliás, ele não entende muito bem. Ele tem este aspecto politicamente conservador, vota liberal, trabalha com os sociais-democratas em Viena, não confunde jamais o comunismo e o nazismo, mas não acredita que uma revolução social do tipo marxista vai dar certo. Ele é contemporâneo da Revolução Russa. Não é a favor das convulsões republicanas francesas. Mas seu movimento psicanalítico é aberto, com discípulos de todas as tendências, progressistas, conservadores. Ele era pela emancipação das mulheres, e contra a supressão das instituições. Há uma imagem muito justa de Freud: era favorável à morte do pai, ao regicídio, mas a favor de que se recolocasse um rei no trono. Isto é explicado em “Totem e Tabu”. Freud é regicida na condição de que reinstaure a monarquia depois de ter sido abolida. Não é republicano no sentido francês. Ele gosta muito de Paris, mas não é a favor de revoluções do tipo francês. O modelo para ele é Londres, o modelo econômico liberal inglês, e a cultura do Sul, a Itália e a Antiguidade romana.; e mais longe, a grega, e mais longe ainda, o Egito. Freud é um homem da bacia mediterrânica em seus sonhos, algo muito austríaco, entre o Norte e o Sul, e muito ligado ao modelo de monarquia constitucional. E ele é judeu, o que tem um papel considerável. Não é a favor do sionismo, à criação de um Estado judeu, prefere a diáspora, mas herdou algo desta rebelião. Para época de Freud, o inimigo é a religião. Ele é pela ciência. O que faz com que por vezes, em seu debate com o pastor Oskar Pfister (1873-1956), possa se enganar, confunde religião e fé. Mas para esta geração de homens sábios, originados do materialismo, o inimigo é o religioso. Ele tem isto em comum com Marx. Por isso é um conservador bastante singular. Ele é pela liberdade sexual, contra a pena de morte.

Acho que é bem por aí. Foi revolucionário em alguns aspectos, mas tinha o conservadorismo, o apreço pelo Antigo, o respeito pelas instituições enraizadas, o ceticismo com a libertinagem livre de freios, tudo isso bem sedimentado, o que jamais o colocaria no mesmo saco dos liberticidas modernos.

Rodrigo Constantino

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