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Mano Brown descobre aquilo que Joãozinho Trinta já sabia, e fica ressentido
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“Pobre gosta de luxo; quem gosta de pobreza é intelectual”. A frase de Joãozinho Trinta resume com perfeição o meu Esquerda Caviar. Os pobres querem, basicamente, melhorar de vida, ter mais conforto, buscar ascensão material e social. Quem gosta de glamourizar a pobreza são os “intelectuais”, os ricos da elite entediada, os dependentes do ópio da utopia.

Quem parece ter descoberto essa verdade foi Mano Brown. Mas pelo visto não gostou nada dela, ficou irritado, ressentido. Esse povo ingrato, que não quer saber de “lacração” nas redes sociais nem de teses de doutorado na USP sobre as favelas, mas sim de trabalho e aumento de salário. Em entrevista recente, o ex-líder dos Racionais reclamou que a periferia está muito conservadora, e não quer saber de luta de classes:

Os Racionais completam 30 anos em 2018. Como é olhar para trás e pensar na história do grupo?
Racionais MC’s não é mais algo meu. Vejo a banda como uma coisa que ajudei a criar, mas que bateu asas e voou. É como um filho que você cria para o mundo: não é mais seu. A gente não tem mais direito de escolher a roupa que quer, a batida que quer, não pode mais falar o que quer. Quando os Racionais surgiram, lutávamos para ter liberdade para falar, para ter espaços que não tínhamos. Passaram-se 30 anos. E alguns fãs da banda se tornaram conservadores. Muitos, hoje, são de direita. Nossos pensamentos já não batem mais. Não sou contra gay, contra punk, contra candomblé, como pessoas que eram fãs da banda demonstram ser. Os Racionais foram criados por quatro garotos que tentavam sobreviver, que não tinham ideia de como era o mundo. Só sabíamos o que era a favela. Muita coisa mudou, e hoje eu questiono a importância dos Racionais num mundo desses. Aqueles ideais que o povo defendia, o povo esqueceu. Com aquele discurso que tínhamos em 1990, hoje, os Racionais seriam engolidos pela periferia. Seriam rejeitados. Porque, depois de dois governos Lula e de um governo Dilma, mudou a mentalidade da periferia. Não tem como desvincular os Racionais da política, a banda sempre foi atrelada ao momento político do país. E qual é o momento político do país agora? A periferia passou a ser de direita. O rap virou algo de direita, conservador. Aquele rap da época dos Racionais, hoje, é um rap religioso, moralista, que não conversa com a revolução que precisa ser feita atualmente.

E como sensibilizar as pessoas nesse contexto? Com a música que você está fazendo agora?
Não sei se minha música é um caminho. As músicas novas, sim. As dos Racionais talvez tenham servido em algum momento. Hoje, a maioria está reclamando porque não tem iPhone. Você tem realidades distintas. Hoje, a luta que as pessoas dizem ter é individual. Não vejo mais luta de classes. A luta é por conforto. A periferia está pedindo segurança, votando em polícia, se escondendo dentro de igreja e atrás de pastor, não assumindo a parte que lhe cabe. Então, qual seria a importância dos Racionais hoje? Falar de Deus, de família? Não. Isso é o que fala o discurso da direita no Congresso. Que é homofóbica, racista, um monte de coisas. Os discursos se misturaram. A extrema-esquerda, hoje, virou direita, de tão à esquerda que está. A gente vai ter de rever os conceitos. Você pega os pensadores do movimento (hip hop): eles estão neutros. Porque, hoje, você é apedrejado por falar de Lula. É linchado na internet, junto à opinião pública. Então está todo mundo com medo. A gente sabe o que é bom para o povo, a gente sabe em que momento o povo esteve melhor ou pior. Eu tenho idade suficiente para dizer: vivi vários momentos e vi o Brasil muito mal. Já vi o negro neste país mal a ponto de alisar o cabelo, de clarear a pele, afinar o nariz. Mal a ponto de esconder onde morava, ter vergonha da mãe. A gente não vive mais isso. Hoje, o negro vive o orgulho, e o branco vive a vergonha do que fez. E muitas vezes as pessoas se confundem por isso.

Mas será que foi a periferia que mudou tanto mesmo, ou o próprio Mano Brown? O professor Paulo Cruz, que veio das periferias, acha que é o segundo caso. Ele comentou:

A elite “progressista” usa os pobres como seus mascotes, em busca de autoelogios, ou de puros interesses mesquinhos. Gosta de se sentir “do bem” só por falar em nome dos mais pobres, sem se importar tanto com os resultados concretos de suas ideias, sem querer escutar o que o povo realmente deseja.

Se dedicassem algum tempo a isso, saberiam que o povão não quer saber de “luta de classes” ou das bandeiras do Projaquistão, mas sim de melhor saneamento básico, escolas e hospitais, transporte decente, e sim, mais consumo, de preferência dos produtos de grife que permitem a ostentação de status social.

O esquerdismo procura monopolizar os fins nobres, a preocupação com a vida dos mais pobres, mas na prática ele é o oposto disso, ele afasta as pessoas daquilo que o povo trabalhador quer: trabalho melhor, mais conforto material, mudança na qualidade de vida. Quem adora a periferia como uma abstração nunca vai entender isso…

Rodrigo Constantino

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