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Menos Bannon, mais Guedes: liberais devem ficar atentos a “fogo amigo” de reacionários
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O Estadão publicou neste fim de semana uma reportagem de José Fucs sobre um jantar entre Steve Bannon e Olavo de Carvalho, em que o “guru” de Trump teria perguntado ao “guru” de Bolsonaro sobre seu grau de influência no “liberal de Chicago”, referindo-se a Paulo Guedes.

Bannon lidera um movimento nacionalista contra o globalismo, mas seu radicalismo foi excessivo até mesmo para Trump, que o dispensou do governo. Os inimigos apontados por Bannon, como George Soros e a ONU, são reais, mas isso não quer dizer que seus métodos sejam desejáveis. O globalismo é mesmo uma ameaça, mas a reação da alt-right também!

Há em seu grupo de líderes gente um tanto antiliberal, e o liberalismo econômico é visto com certo desprezo por esses “conservadores” mais reacionários, que se enxergam como templários numa cruzada para resgatar a civilização ocidental. Falam em salvar os valores judaico-cristãos, mas muitos ali adotam métodos marxistas e são inclusive antissemitas.

Lucas Berlanza, do Instituto Liberal, resumiu bem o que está em jogo nesse embate de forças dentro do governo Bolsonaro, entre a turma “olavista” e a equipe liberal de Guedes: “Sem as reformas, a começar pela da Previdência, o país se inviabiliza. Sem reformas, sem governo”.

Vai ao encontro do que tenho dito aqui: mesmo os mais reacionários precisam entender que as reformas de Guedes são cruciais para viabilizar a agenda conservadora de costumes.

Lucas acrescentou: “Paulo Guedes e sua agenda precisam estar acima de quaisquer picuinhas. São urgentes e indispensáveis para o Brasil. O interesse nacional não é avançar a agenda do nacionalismo econômico. O interesse nacional é equacionar as contas, comercializar com o mundo inteiro, gerar riquezas e empregos. Tudo com sobriedade e respeito às leis e à democracia, o que é nada mais que o óbvio”.

E caso a turma inspirada em Bannon declare guerra a Guedes e suas reformas liberais, em nome dessa cruzada nacionalista, teremos de marcar posição. “Não abriremos mão do liberalismo de Paulo Guedes”, concluiu o autor. Está certo. Precisamos de menos Bannon e mais Guedes!

Carlos Andreazza foi na mesma linha em sua coluna de hoje no GLOBO, em que fala do “governo paralelo” montado por Guedes dentro da gestão Bolsonaro, mas que corre risco por conta de ataques de dentro. Diz o editor:

O Ministério da Economia, sob Paulo Guedes, é um governo; o território de prosperidade adulta cuja funcionalidade, a se confirmar, autorizará a garotada a brincar de ideologia no parquinho.

Pensemos na condição humana: quantos gastarão energia em combater a provável década de patrimonialismo bolsonarista no poder se a economia estiver gerando empregos? Não há motivo para ciumeira. Toda a heterogênea fauna bolsonarista — inclusive a jacobinista, ávida por sangue liberal — tem a ganhar com a glória do governo paralelo.

Do êxito do governo Guedes provirão as chances de o projeto de Eduardo Bolsonaro vingar. Sem o que não haverá bunker no Ministério das Relações Exteriores nem militância em rede social capazes de viabilizar o mitinho. Do triunfo (rápido!) de Guedes derivarão as condições para que até Flávio Bolsonaro tenha seus queiroz relativizados. Sem o que, mesmo que seus irmãos o resgatem do mar em que o jogaram, será — se tiver sorte — um ex-senador em atividade; um Aécio. Do sucesso do governo Guedes — de seu plano de reformas — depende a musculatura do governo Bolsonaro, cujo caráter desenvolvimentista carecerá de recursos próprios para investir. Sem o que o povo — ainda que difusamente conservador — logo se cansará das pautas moralistas.

O cidadão brasileiro acha bom que Moro cace corruptos, até gostaria de ter uma arma e certamente se preocupa com o conteúdo do que é informado aos filhos na escola; mas isto tudo será parolagem se não tiver trabalho logo. Fulminar o desemprego — eis o tiro certo. Pois, tendo meios de pagar os boletos, as pessoas entubam qualquer proselitismo.

A economista Renata Barreto, que participou nesta segunda de um painel no Jornal da Cultura, também foi enfática: a prioridade deve ser a reforma previdenciária, sem a qual o restante do governo não se sustenta. Renata explicou:

Com certeza é uma das coisas mais importantes hoje na agenda do presidente, e tem que ser mesmo, é a questão da gestão fiscal. O governo hoje tem um problema muito sério, que é a reforma da Previdência, então acho que a primeira medida urgente a ser tomada, e obviamente que vão passar por questões do Congresso, quem entra e quem não, se haverá cortes ou não. Mas a conta do FMI é de que até 2031 todo o orçamento da União estará comprometido com a Previdência caso nada seja feito. Então a questão fiscal é ponto número um antes de todo resto, porque sem a questão fiscal a gente não só não tem segurança como o dinheiro vai acabar.

Esse recado precisa ficar muito claro para o presidente e seu núcleo duro, aqueles que dedicam mais tempo a “mitar” nas redes sociais do que a ajudar na articulação em prol da aprovação das reformas. Onde está a mobilização no Congresso para avançar com essa pauta de mudanças? Um deputado governista me disse que conversou individualmente com quase trinta deputados ontem, e nenhum deles tinha recebido uma ligação direta do líder do governo. Como aprovar as reformas assim? Discursos anticomunistas e antiglobalismo são música para meus ouvidos, mas não colocam comida na mesa dos trabalhadores.

O viés desenvolvimentista de que fala Andreazza existe, e ficou claro com as declarações sobre retomada de investimento no setor ferroviário. O governo tem planos de investir, ainda que em parcerias com o setor privado, mas isso demanda recurso disponível, o que não existe hoje. Como quase todo orçamento federal é rígido, governo atrás de governo decide cortar investimentos por falta de alternativa: é onde dá para tirar.

Se Bolsonaro quer realizar tais investimentos, se seu núcleo duro sonha com a agenda de Bannon contra os globalistas, se a ala conservadora quer reverter parte do estrago “progressista” no campo dos costumes, todos devem estar cientes de que a única forma de seguir nessa trajetória é, antes, salvar a economia, recolocar o Brasil nos trilhos do progresso, o que só será possível com as reformas liberais da equipe econômica.

Os “templários” podem não engolir direito o liberalismo “ingênuo” de Guedes, que não dá tanta trela para a guerra cultural. Podem, ainda, acusar de frouxos e covardes, ou “isentões”, todos aqueles que, mesmo reconhecendo a importância do marxismo cultural, rejeitam os métodos pregados pela turma de Bannon, por se confundirem muito com os métodos do próprio inimigo. Mas uma coisa deve ficar clara: esses reacionários precisam dos liberais!

Se o governo Bolsonaro perder essa batalha das reformas, se no limite Paulo Guedes pular fora do barco e o governo perder o apoio pragmático dos liberais, o presidente talvez nem consiga completar seu mandato. Isso não é brincadeira, mas uma possibilidade que deve ser levada a sério. Bolsonaro pode fazer um belo discurso liberal (agora mesmo) em Davos, e acho que será o caso, se o discípulo de Bannon tiver menos influência do que as canetadas do ministro da Economia.

Mas os investidores não querem apenas palavras; querem ações. Sabem, ao contrário do que teria dito Eduardo Bolsonaro, que a reforma previdenciária é fundamental para o futuro do Brasil. O maior desafio não é fazer discursos empolgantes, e sim conquistar os votos necessários no Congresso. O que está efetivamente sendo feito nesse sentido? Nos bastidores, há grandes preocupações de que falta esforço do governo, talvez porque falte a convicção da urgência dessa pauta. Seria o maior erro de Bolsonaro. Um erro fatal.

Rodrigo Constantino

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