
O esloveno Slavoj Zizek é um tipo malucão que encanta certa ala da esquerda, misturando Marx e Lacan, tudo com muita afetação e movimento das mãos. Fala tanta coisa contraditória que é tomado por profundo ao ser apenas confuso. Mas, diante de tanta confusão, às vezes sai uma ou outra coisa que presta. Foi o caso da entrevista publicada hoje no GLOBO, comentada abaixo:
As maiores vítimas dos ataques em Paris serão os próprios refugiados. Por isso devemos condenar de verdade os assassinatos em Paris. Não se deve tentar compreender os terroristas do Estado Islâmico, no sentido de que “seus atos deploráveis são reações às brutais intervenções europeias”. Eles precisam ser caracterizados pelo que são: o oposto islamofascista dos racistas europeus anti-imigração. São dois lados da mesma moeda.
Devemos condenar de verdade os assassinatos em Paris, e sem dúvida a direita xenófoba se alimenta do medo gerado pelo terrorismo. E com certeza é absurdo culpar o Ocidente pelo terrorismo, como tentam fazer vários “intelectuais” de esquerda. Mas daí a colocar Le Pen e Isis no mesmo saco vai uma longa distância.
A direita autoritária que quer expulsar imigrantes é um problema com sua postura anti-liberal, mas não degola inocentes por aí para chamar a atenção. É um resultado do terrorismo em grande parte, cresce quando a população se sente ameaçada pelos malucos após o multiculturalismo fomentar essa situação. Mas não são dois lados da mesma moeda. Não há equivalência moral entre direita autoritária e terroristas, e só ao ignorar isso Zizek já demonstra seu viés e seu verdadeiro alvo.
A primeira coisa que eu faria seria instalar bases militares na costa da Líbia, da Síria, do Líbano. Não para ocupar esses países, mas para criar centros de recepção onde potenciais refugiados seriam registrados e, depois, haveria a definição de quem seria aceito e de quem não seria. E aí organizaria o transporte deles para a Europa. O que está acontecendo agora é uma catástrofe em potencial. Porque todo mundo fala sobre como se deve permitir aos refugiados se integrar, mas nós sabemos que o problema não é apenas que os alemães não querem aceitá-los. O problema é que muitos refugiados também não querem realmente se integrar. Eles querem manter seu próprio modo de vida. Isso pode te surpreender, por eu ser de esquerda, mas a melhor organização para administrar essa situação é o Exército. Se continuar desse jeito, os resultados serão horríveis. Teremos conflitos étnicos e um crescimento da direita anti-imigração no continente. Aliás, já há uma ascensão de populistas racistas e xenófobos por toda a Europa.
Não chega a surpreender tanto que Zizek queira usar a força para resolver a questão, pois a esquerda é “pacifista” apenas da boca para fora. Quando tem o poder, sempre abusa dele. Mas não deixa de ser engraçado ver Zizek, adorado por alguns “psis” de esquerda que fingem ser pacifistas, recomendando a ação do Exército para controlar a situação e condenando o multiculturalismo, pois os muçulmanos não querem se integrar e assimilar a cultura do local que os recebe. Vai dar “bug” no cérebro de muito psicanalista por aí, e vão precisar de um divã…
Se você fala do multiculturalismo em geral, que diferentes culturas devem tolerar umas às outras, é claro que todo mundo é a favor disso, com exceção de alguns loucos fanáticos religiosos. Mas, ao olhar a questão de perto, os problemas começam a aparecer. Um Estado de Direito que garanta a coexistência de diferentes culturas não funciona. Por quê? Porque toda cultura não fala apenas sobre si mesma, mas prescreve como você deve lidar com outras. Uma cultura não tolera o que outra considera normal. É um problema limite do multiculturalismo. Quando atacaram o “Charlie Hebdo”, todos nós louvamos como na Europa somos liberais, podemos fazer graça de Deus, etc. É verdade, mas os muçulmanos não toleram que você faça graça da sua tradição sagrada.
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Devemos afirmar certos princípios básicos sobre nossas liberdades individuais, direitos das mulheres, e simplesmente dizer onde a tolerância multicultural acaba. Aconteceu na Eslovênia: uma garota de família cigana procurou a polícia porque não aceitava um casamento arranjado pela família. Os líderes da comunidade disseram que esse é o elemento básico de reprodução da sociedade deles. Mas nós devemos proteger a garota. Vão dizer que esta é uma perspectiva eurocêntrica, porque na Europa se valorizam mais os direitos individuais do que os coletivos ou da comunidade, mas devemos fazer isso. É preciso decidir quanto multiculturalismo você vai aceitar.
Devemos, de fato, proteger a garota no caso. Há regras universais, valores ocidentais inegociáveis, e não podemos aceitar em nosso solo a imposição da sharia, da lei islâmica, passando por cima disso. Uma família que impede a filha de estudar ou de casar com quem quiser está passando por cima de todas as conquistas ocidentais relevantes, está cuspindo em nossa civilização, e isso é inaceitável.
O multiculturalismo, ao permitir a formação desses guetos que se recusam a assimilar a cultura que abriga tais imigrantes, joga contra a própria civilização ocidental. O pluralismo cultural é uma coisa, uma bandeira liberal, mas o multiculturalismo é outra bem diferente, que atenta contra o liberalismo. Que Zizek consiga perceber e expressar abertamente isso é algo realmente surpreendente.
Claro que ele não poderia terminar bem assim, e conclui que o Cristianismo é uma espécie de radicalismo de esquerda, confusão muito comum e explorada pelos marxistas da Teologia da Libertação. Não seria o Zizek se, depois de acertar uma no cravo, não desse outra na ferradura…
Rodrigo Constantino



