
A minha leitura do caderno de Economia do GLOBO de hoje foi feita em uma ordem interessante. Primeiro, a notícia de que a alta inflação corrói a “nova classe média” (lembrando que ela engloba até gente que vive em favelas). O cálculo aponta para R$ 73 bilhões de perda de consumo dos brasileiros que subiram na pirâmide social recentemente:
A escalada da inflação atinge de forma perversa a parcela da população brasileira que ascendeu para a classe C e passou a consumir produtos e serviços antes inatingíveis. O dragão abocanhou R$ 73,4 bilhões desse grupo nos últimos 12 meses, segundo estudo do Instituto Data Popular, feito a pedido do GLOBO. A classe C movimenta cerca de R$ 1,17 trilhão por ano, calcula o instituto. Nos últimos 12 meses, a inflação acumula alta de 6,28%, pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). A mordida no orçamento só não foi mais doída porque a renda da classe C continuou a subir. No entanto, ainda em fase de expansão, a nova classe média já está dividida. Boa parte se encontra em uma “zona de rebaixamento” e corre o risco de voltar à classe D por causa das condições da economia brasileira: combinação de inflação persistente e juros altos.
Em seguida, vem uma entrevista com um economista em ascensão na carreira política, Marcelo Neri, alegando que esses índices estão superestimados. Sua sugestão é mexer na cesta de alimentos que compõe o índice, ou seja, se o tomate sobe muito de preço, retira-se o tomate da conta. É uma solução bem nos moldes da equipe de Guido Mantega, adepta dos malabarismos contábeis que atacam sintomas em vez de causas dos problemas. Diz Neri:
A inflação que importa para o brasileiro é quanto aumentou a cesta que ele consome, e o INPC e o IPCA (índices calculados pelo IBGE) estão um pouco superestimados, porque se sobe o preço do tomate, eu consumo menos tomate. Estes índices são conservadores. Nos Estados Unidos, os índices de preços são encadeados, e a cesta vai mudando. Na semana passada, discuti essa ideia com o Banco Central e o pessoal concordou.
Além disso, Neri parece ignorar que a inflação de serviços é que tem rodado sistematicamente acima da média (e da meta), ou seja, não tem nada a ver com uma safra ruim ou condições climáticas, e sim com uma espiral que é resultado de uma política fiscal expansionista, uma política monetária frouxa, e um mercado de trabalho aquecido. Mas Neri acredita (ou finge acreditar) que os mais pobres e a classe média estão muito satisfeitos, e que só os ricos teriam motivo para reclamar:
Se o João é um cara pobre, está feliz; o João do meio da distribuição também está, talvez nem tanto quanto o primo pobre dele. Agora, o primo rico tem todas as razões para não estar gostando muito da situação. Além de a renda dele não estar crescendo muito, ele está tendo problemas, como ter que dividir aeroporto com quem nunca fez check-in, enfrentar engarrafamento com mais carros nas ruas. Os dados mostram que existe uma transformação profunda, não percebida por quem está em cima.
A transformação que existe é na matriz econômica, e ela é para pior! O governo Dilma sacrificou o nosso futuro em nome do populismo, da visão míope de curto prazo, eleitoral. E Marcelo Neri tem sido um instrumento de propaganda enganosa desse mesmo governo, que chegou a abrir uma filial do Ipea na Venezuela, para fazer propaganda enganosa também em prol do autoritário e fracassado governo bolivariano.
Mas a terceira leitura coloca as coisas nos eixos novamente. Trata-se da coluna de Gustavo Franco, uma verdadeira aula sobre inflação, tomando emprestadas lições históricas. Franco demonstra como o discurso oficial que tenta suavizar a ameaça inflacionária é falso, um mero disfarce para enganar a população. Diz o economista:
A verdadeira discussão não é sobre se a inflação nos serviços é “benigna”, mas sobre complacência com a inflação. A alusão a uma nova inflação estrutural serve apenas para trazer de volta uma tese conhecida e maléfica: se há uma boa explicação “não monetária” para a existência da inflação, segue-se que a política monetária não funciona, ou produz um desemprego desnecessário para corrigir o incorrigível.
A própria presidente disse recentemente que reduzir a meta de inflação de 4,5% (na verdade 6,5%) para 3% faria o desemprego pular para 8% ou mais. De onde saiu essa matemática? Se fosse verdade, a redução na taxa de inflação de 916% para 5%, observada entre 1994 e 1997 (taxas acumuladas para o ano calendário), teria criado um caos. Em vez disso, o desemprego oscilou de 5,1% para 5,7%. Para quem não é do ramo parece mágica, não é mesmo?
O fato é que as autoridades governamentais prosseguem com o velho truque de antagonizar o combate à inflação e não a inflação, assim se esquivando canhestramente de fazer uma defesa aberta dessa sua criatura amiga, órfã apenas na aparência, e que parece nascer de causas naturais sem que ninguém lhe dê o que comer. Quem são os amigos da inflação? Basta olhar para os inimigos do combate à inflação.
Nada mais a declarar, meritíssimo!
Rodrigo Constantino




