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Quando a “ajuda humanitária” é apenas “autoajuda”

Residents reach for packets of water during a food distribution three days after a major earthquake hit the capital Port-au-Prince January 15, 2010. Thousands of people left hurt or homeless in Haiti's earthquake begged for food, water and medical assistance on Friday as the world rushed to deliver aid to survivors before their despair turned to anger. REUTERS/Kena Betancur (HAITI - Tags: DISASTER ENVIRONMENT IMAGES OF THE DAY) (Foto: )

Em Teoria dos Sentimentos Morais, Adam Smith constata logo no começo que o ser humano é capaz de sentir empatia pelo próximo. Tal sentimento está no cerne de muitas boas ações mundo afora. Mas Smith também sabia que somos seres autocentrados, egoístas até, e que muitas vezes, quase sempre na verdade, somos movidos por nossos próprios interesses.

Felizmente, ele percebeu que isso não era necessariamente negativo do ponto de vista social. Ao contrário: guiados como que por uma “mão invisível”, nossos atos “egoístas” poderiam produzir excelentes resultados. O problema é que muita gente liga menos para os tais resultados e mais para a sua própria sensação, seu regozijo pessoal, sua imagem de abnegado. É a tirania das (supostas) boas intenções.

Quando escrevi Esquerda Caviar, tinha muitos desses em mente, pois conheço vários assim, que monopolizam as virtudes em vez de debater ideias com honestidade. São os que chamamos de “poser” das redes sociais. A esmola também pode ser um ato dessa natureza: o sujeito se sente de alma lavada e vida que segue, não importa como aquela esmola foi usada ou qual destino o mendigo teve.

Pois bem: nas páginas amarelas da VEJA desta semana, o professor de Oxford, William MacAskill, resgata um tema importante que outros antes dele, como Peter Bauer, focaram, qual seja, a ideia de que vários programas sociais ou ajudas humanitárias não ajudam efetivamente os mais pobres. Diz ele, num trecho bastante interessante:

Veja

Quantas pessoas o leitor conhece que alardeiam aos quatro cantos do mundo como são altruístas, que colocam sobrenomes indígenas ou fotos de arco-íris no Facebook, que repetem por aí a superioridade moral de ser um “vegano”, e que agem como os mais egoístas e mesquinhos indivíduos que já pisaram na Terra?

Eu conheço vários assim. São contra, por exemplo, os gananciosos capitalistas, mas não abrem mão de seus luxos bem capitalistas. Adoram ajudar as lindas causas distantes pelas redes sociais, mas destilam ódio e preconceito por aí. Eles amam a Humanidade, mas não suportam o próximo. Compram paz de consciência com pequenos gestos, e seguem com seus infindáveis pecados. Vaidosos! Como são vaidosos!

Sentem-se culpados por tudo que têm, sem entender como a economia funciona, ou por terem ganhado tudo fácil demais mesmo. Precisam expiar essa culpa, e nada mais fácil do que se voltar contra o dinheiro, o capitalismo, o mercado, tudo aquilo que trouxe seu conforto material. Alguns aliviam a culpa com pequenas doações inúteis; outros, cuspindo no “maldito” capitalismo. Acreditam que, por isso, são pessoas melhores.

É, o mundo precisa de mais caridade genuína sim. Mas ele não será salvo pelos “caridosos”, e sim pelos eficientes, pelos que entendem os efeitos práticos das medidas que defendem, pelos que focam nos resultados concretos, não na beleza da própria retórica e nos aplausos dos coleguinhas de Facebook.

Gente assim, capaz de combinar uma empatia genuína com a inteligência e a honestidade intelectual, infelizmente está em falta no mundo, especialmente no Brasil, país em que um Boulos ou um Greg da vida bancam os defensores dos pobres e oprimidos, sob aplausos dos idiotas úteis.

Rodrigo Constantino

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