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Que ingratos os esquerdistas que atacam a imprensa!
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Em 1940, pouco depois de assumir como primeiro-ministro após anos alertando para o perigo nazista e sendo ignorado pelos “pacifistas ingênuos” e apaziguadores, Churchill, com sua fina ironia, comentou sobre o bombardeio nazista a uma fábrica do ex-primeiro-ministro Baldwin: “Muito ingrato da parte deles”. A postura de Baldwin, como a de Chamberlain, Halifax e tantos outros, acabou ajudando no avanço de Hitler.

Lembrei disso ao ler a coluna de Ascânio Seleme hoje no GLOBO. O jornalista, que foi diretor de redação por vários anos, reclama das críticas à imprensa no caso Marielle Franco, em especial dos ataques à esquerda. Diz que essas pessoas não compreendem o papel do jornalismo:

Incrível tentar atribuir ao jornalismo profissional a veiculação de fake news que são em sua essência um atentado ao jornalismo. Dizem que, ao publicar a existência das calúnias contra Marielle, a imprensa a propaga. Francamente. Mas como há muitos leitores engajados que compram qualquer tese que sustente sua posição, eles seguem em frente, vai ter sempre gente disposta a engolir baboseira. E, pior, compartilhar esta baboseira.

A cobertura da imprensa sobre o assassinato de Marielle foi íntegra, profissional, respeitosa e abrangente. Mesmo assim, houve gente que escreveu posts afirmando que a imprensa “deu corda demais aos fascistas e aos facínoras” ou dizendo que “a mídia que tenta tirar proveito da morte de Marielle é a mesma que ajudou a criar estes monstros que estão soltos por aí”. Quer dizer, além de propagar notícias falsas, a imprensa agora é acusada de criar os assassinos da vereadora do PSOL.

A tese é ridícula. Imaginar que a imprensa se apropriou da morte de Marielle é não entender absolutamente nada do nosso trabalho. Jornais e jornalistas cobrem tudo o que interessa ao leitor. Não cobrem o que o leitor quer, mas o que entendem ser importante para o consumidor de informação saber. Jornais não são redes sociais em que só se lê os que estão ao seu redor e pensam de maneira parecida sobre os mesmos temas. Jornalistas servem para levar ao seu cliente o que ele não sabe que lhe importa.

A última frase, grifada por mim, demonstra talvez a razão do afastamento entre jornalistas e população. É análoga ao que pensam os políticos de esquerda, que se sentem ungidos, e que precisam ensinar ao povo alienado e burro o que ele deveria desejar na vida. Soa arrogante, e talvez os jornalistas devessem sair da bolha “progressista” e escutar um pouco mais o povo, o consumidor, para verificar se tem mesmo mostrado aquilo que importa.

É a postura comum na área de humanas nas universidades também, nos “intelectuais” seguidores dos philosophes franceses, desconectados da realidade e do senso comum. Flávio Gordon escreveu um bom texto sobre isso na Gazeta, onde conclui:

Os philosophes acreditavam formar uma “igreja invisível”, na definição de Diderot, um “corpo de iniciados”, na de Voltaire. Viam-se como a própria encarnação dos ideais abstratos de liberdade, igualdade e fraternidade, como senhores da opinião pública. “A opinião governa o mundo e os filósofos governam a opinião”, disse certa vez D’Alembert. “As gentes do espírito é que detêm o poder na França”, completou Duclos. E, poderíamos acrescentar, também no Brasil.

Penso ser salutar à vida intelectual brasileira contemporânea trocar o arraigado abstracionismo elitista de matriz francesa pela tradição anglo-americana do senso comum. Quanto a esta, contudo, convém não confundi-la com alguma sorte de populismo filosófico. A crítica ao elitismo francês não implica que deva haver, como resposta, uma identidade absoluta entre o conhecimento do intelectual e o saber popular. Assim como não convém alienar-se da realidade concreta, tampouco deve o intelectual servir-lhe de mera caixa de ressonância. Antes que de concepções abstratas apriorísticas (cama de Procusto em que a experiência é forçada a se acomodar), deve-se partir do ponto em que todos estão, dos símbolos e experiências por todos partilhados. Só então cabe ao intelectual descompactar esse senso comum, pondo em xeque as premissas jamais questionadas e as confusões conceituais da doxa(opinião corrente). Afinal, como ensina Platão em A República, a filosofia começa com a descida do filósofo ao Pireu (ou à caverna), não com sua imaginária estadia no Olimpo.

Na percepção de Ascânio, não duvido que ele enxergue a cobertura da imprensa no brutal assassinato de Marielle como “íntegra, profissional, respeitosa e abrangente”. Mas seria bom se o público tivesse alguma voz, se o cliente pudesse julgar por conta própria. Afinal, para muitos ficou claro que a cobertura não foi isenta, que a vereadora do PSOL foi canonizada e transformada em mártir, que seus atributos identitários, como raça e sexualidade, acabaram merecendo um enorme e indevido destaque, e que sua “luta social” foi enaltecida o tempo todo, sem uma só lembrança de que seu partido defende oficialmente a ditadura venezuelana. Abrangente?

Mas o pior de tudo é que Ascânio não está rebatendo críticas à direita. Essas ele sequer toma conhecimento, pelo visto! Ele está se justificando para a extrema-esquerda, aquela insaciável, que quer o braço todo quando se oferece a mão, que não aceita nada além de tudo. O PSOL tem uma representatividade absolutamente desproporcional na mídia em relação ao que tem de votos, e ainda assim o jornalista se explica… aos socialistas que atacam a “mídia golpista”!

É como os tucanos fazem com os petistas até hoje: sempre pedindo desculpas por apanhar, por serem rotulados de “neoliberais” e outros adjetivos piores. Os tucanos migram cada vez mais para a esquerda na esperança de terem paz, e os ataques só pioram. A mídia parece seguir pelo mesmo caminho. Até mesmo Ricardo Noblat, jornalista com viés de esquerda que foi do mesmo jornal por anos, comentou:

Na mesma página em que a coluna de Ascânio foi publicada, há a coluna do socialista Verissimo atacando os “imbecis” das redes sociais que ousaram falar do “outro lado” de Marielle Franco, da ligação de seu partido com o crime, que é pública e notória, e um texto de uma ex-professora da vereadora morta, enaltecendo não só a pessoa, como também e principalmente sua luta política, ou seja, as bandeiras do PSOL que endossava. Ela até já sabe quem foi responsável pelo crime antes das investigações, vejam só:

Agora que uma carreira política promissora foi ceifada por conta da mesma violência que ela tanto denunciou, percebemos estarrecidos as tentativas de calúnia em relação à sua integridade moral e a seu desempenho profissional. Ainda sob o impacto de sua morte tão precoce, temos de ler e ouvir manifestações de calúnia, baseadas em prejulgamentos e atitudes preconceituosas. São vozes que traduzem o inconformismo de ver a morte de uma mulher valiosa — símbolo de várias minorias que lutam por seu reconhecimento — conseguir mobilizar uma cidade inteira.

Marielle continuará presente nas lutas de todos por uma sociedade mais igualitária, menos racista, menos sexista, menos homofóbica e com mais solidariedade social.

A violência que Marielle denunciava era aquela da polícia, não a dos bandidos. A conclusão do artigo mostra que Marielle é apenas o pretexto, que o importante mesmo é pregar a revolução socialista, defender a “causa”. E esse tem sido o tom em vários textos e reportagens publicadas pela imprensa em geral, e pelo jornal carioca em particular. Mas Ascânio ainda reclama da reclamação da esquerda, de que a imprensa dá trela demais… para a direita!

E a tática de acusar de “Partido da Imprensa Golpista” funciona, claro. Acuada, a imprensa pede desculpas aos seus detratores e cede ainda mais espaço a eles, sem qualquer preocupação com a imparcialidade ou o equilíbrio em relação ao que o público em geral acha. O público, afinal, precisa aprender o que importa, e quem vai dizer isso é o jornalista, o mesmo que é simpático às causas do PSOL, que só não tem voto, mas tem muita influência na mesma imprensa. Ascânio conclui:

Há dois perigos nessa demonização da imprensa. Primeiro, e mais importante, porque sem imprensa livre não há democracia. E depois, porque jornalistas viraram alvo de constantes agressões nas ruas, nas coberturas de manifestações. Mesmo nas mais pacíficas sempre surge alguém para iniciar o coro contra os jornalistas. A imagem do repórter Caco Barcelos sendo agredido na frente da Alerj, no ano passado, é um claro exemplo dessa incitação à violência contra nós. O melhor a fazer é parar com isso enquanto há tempo.

Pois é, mas quem ameaça mais a democracia senão a mesma extrema-esquerda com tanta voz nessa imprensa, aquela que defende Cuba e Venezuela, PT e PSOL? E quem agride jornalistas nas ruas, senão os mesmos radicais de esquerda, os black blocs defendidos por artistas engajados e jornalistas abestalhados? Por acaso é a direita que tem espancado jornalista por aí? Por acaso são os eleitores de Bolsonaro, demonizado por essa imprensa, que partem para a agressão?

A negligência e leniência da mídia em relação à ameaça vermelha é algo espantoso. No afã de ser deixada em paz ou elogiada, ela oferece cada vez mais àquele que pretende devora-la. Como a patrulha organizada dos socialistas é eficaz, e sabe intimidar, a tática surte efeito, e aqueles que pretendem destruir a própria liberdade de imprensa ocupam mais e mais espaços nessa mesma imprensa, que chama “invasão” de “ocupação” para poupar seus camaradas.

No dia em que os socialistas “bombardearem” os jornais, invadirem seus parques gráficos ou aprovarem leis matando a imprensa e perseguindo jornalistas, como aconteceu na Venezuela que o PSOL defende, só nos restará resgatar Churchill e desabafar: que ingratos esses comunistas!

Rodrigo Constantino

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