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Enfrentamento ao crime

Juízes anônimos? Saiba como vai funcionar o julgamento de facções criminosas em SC

Com juízes anônimos, vara da justiça de Santa Catarina deve combater o crime organizado
O diferencial da nova vara de Justiça em SC está em um sistema desenvolvido pela Microsoft que distorce rosto e voz dos magistrados durante as audiências, a serem realizadas virtualmente. (Foto: Imagem criada utilizando Gemini/Gazeta do Povo)

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Santa Catarina inova no enfrentamento ao crime organizado com a criação da primeira Vara Estadual contra Organizações Criminosas do país. Implementada no fim de junho, a unidade promete mais celeridade e segurança no julgamento de processos complexos, ao adotar tecnologia inédita que tornará os juízes anônimos. A iniciativa, porém, enfrenta desconfiança: a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e especialistas em segurança pública levantam questionamentos sobre suas implicações.

O diferencial da nova vara está em um sistema desenvolvido pela Microsoft que distorce rosto e voz dos magistrados durante as audiências, realizadas virtualmente. Os participantes não poderão identificar o gênero nem características pessoais dos juízes, o que garantiria anonimato. Além disso, o sistema usa inteligência artificial para reconhecimento facial de testemunhas e grava as audiências com transcrição literal.

Instalada em Florianópolis, a vara tem competência estadual e inicia suas atividades com 2.087 processos — 1.841 em andamento e 246 suspensos. A equipe será composta por 35 servidores e contará com o apoio das polícias Civil e Militar. A unidade julgará crimes cometidos por organizações criminosas, exceto casos do Tribunal do Júri, violência doméstica e juizado especial criminal.

O desembargador Luiz Antônio Zanini Fornerolli, corregedor-geral de Justiça, destacou quatro objetivos centrais: “eficiência, que é o resultado da prestação judicial; celeridade, para uma pronta-resposta técnica à sociedade; segurança jurídica, criando uma cultura de decisões sobre organizações criminosas; e segurança para os operadores que atuarão nessa unidade”.

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Para Moro, iniciativa de juízes anônimos está alinhada à necessidade de enfrentamento ao crime organizado

Para o senador Sergio Moro (União-PR), a iniciativa de Santa Catarina é interessante e está alinhada à necessidade de o Brasil enfrentar com seriedade o crime organizado. “Não podemos deixar as coisas saírem do controle. Precisamos prender os líderes, isolá-los em presídios de segurança máxima, fiscalizar o patrimônio deles e ter os instrumentos necessários para isso”, afirmou à Gazeta do Povo.

Moro ressaltou a importância de decisões colegiadas em primeira instância, como as varas especializadas no crime organizado, por reduzirem riscos individuais. “Quando eu era juiz, nós tínhamos um colegiado para decidir questões da execução penal no presídio federal de Catanduvas (PR). Foi o primeiro modelo criado no Brasil, e essa vara em Santa Catarina segue essa linha de decisão colegiada”, explicou. Para ele, é importante ter uma estrutura própria para tratar de casos relacionados ao crime organizado.

Sobre os juízes anônimos, o senador admitiu que se trata de algo novo, que ainda precisa ser melhor analisado, mas reconheceu sua utilidade. “De todo modo, constitui um instrumento de proteção do magistrado contra retaliações. Eu sei bem disso. Veja que eu mesmo, como senador, fui ameaçado pelo crime organizado. É necessário pensar em mecanismos de proteção.”

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OAB vai contra e especialistas pedem cautela

Já a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de Santa Catarina questionou o Tribunal de Justiça sobre a criação da vara. A principal preocupação é que a "anonimização" dos magistrados viole garantias constitucionais, já que a legislação brasileira prevê a identificação dos juízes e a publicidade dos atos processuais.

O especialista em segurança pública Roberto Motta avalia a iniciativa com cautela. “Não acompanhei discussões aprofundadas sobre esse assunto e não sei como serão tratadas questões que podem gerar recursos aos tribunais superiores”, afirmou.

Para ele, embora “a princípio pareça uma excelente iniciativa”, promotores com quem conversou temem que seja possível alegar suspeição ou impedimento dos magistrados, já que permanecerão anônimos. “Há muitas dúvidas no ar. A intenção é boa, mas vários pontos só o tempo esclarecerá”, disse.

Motta também abordou a relação entre o Estado e as facções criminosas no Brasil. “Hoje, como regra, juízes não são alvos diretos das facções. Observadores de segurança pública dizem que isso ocorre por uma simbiose entre Estado e crime organizado”, explicou.

Ele citou como exemplos dessa relação “as visitas de autoridades a áreas dominadas pelo narcotráfico” e a recusa em classificar facções como organizações terroristas. Motta alertou que, se as facções passarem a atacar magistrados, essa relação poderá mudar. Por fim, destacou um ponto levantado por críticos da medida: “De uma forma ou de outra, as facções acabarão descobrindo quem são os juízes”.

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