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Produção em SC

Mel brasileiro premiado como melhor do mundo perde mercado de US$ 80 mi após tarifaço de Trump

Exportação de mel brasileiro - feito em Santa Catarina - para os Estados Unidos
Santa Catarina se destaca na exportação de mel com liderança de duas empresas. (Foto: Aires Mariga/Divulgação Epagri)

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O mel brasileiro, detentor do título de melhor do mundo, enfrenta um desafio ainda maior desde o último dia 6 de agosto: superar a guerra comercial entre Brasil e Estados Unidos, que travou as exportações da empresa catarinense Apis Nativa, da cidade de Araranguá (SC).

Em 2024, a empresa exportou US$ 15,07 milhões em mel, mais de R$ 80 milhões, totalizando 5,9 milhões de quilos. Deste montante, 72% foram destinados ao mercado norte-americano no ano passado, sendo que em 2025, a dependência dos Estados Unidos aumentou: 98,8% das exportações foram para os EUA, reflexo das dificuldades criadas pelo novo modelo de certificação orgânica da União Europeia. "Todo o mel que a gente compra, processa e exporta tem como principal destino os Estados Unidos", ressalta o diretor da Apis Nativa, Tarciano Santos da Silva. 

O estado de Santa Catarina é responsável por quase metade das exportações do setor impactado pelo tarifaço, que ameaça mais de mil famílias brasileiras e cerca de 350 mil apicultores envolvidos na cadeia de produção, segundo a Confederação Brasileira de Apicultura (CBA). 

De acordo com a Associação Brasileira dos Exportadores de Mel (Abemel), 70% da produção brasileira é exportada, sendo que 51% vai para os EUA, o que rendeu ao setor nacional aproximadamente US$ 80 milhões (R$ 432 milhões), provenientes das vendas ao mercado norte-americano.

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Dona do mel campeão mundial, a Apis Nativa sentiu as consequências imediatas do tarifaço imposto pelo presidente Donald Trump. Cinco contêineres tiveram que ser trazidos de volta de portos para a indústria, enquanto outros 12 permanecem parados, aguardando renegociações. 

Silva identifica três cenários enfrentados pela empresa: clientes que não conseguem absorver os novos custos, prorrogando os embarques, importadores que aceitam remessas mínimas para evitar desabastecimento, mas pressionam por redução de preços e a completa paralisação de novos contratos. 

O tarifaço criou uma situação matemática cruel para o mel brasileiro. Antes das tarifas, o mel orgânico brasileiro custava US$ 3.700 por tonelada (custo e frete), enquanto o argentino saía por US$ 2.500 - diferença de 48%. Com o tarifaço brasileiro de 50% contra apenas 10% imposto ao país vizinho, a diferença salta para mais de 100%. "Quando esse mel chegar na gôndola do mercado norte-americano, o consumidor vai ver um pote de mel argentino custando entre US$ 8 e US$ 10 e o brasileiro por US$ 16 a US$ 20", calcula o diretor da Apis Nativa. 

Silva prevê um "efeito rebote" preocupante em três ou quatro meses, quando o impacto dos preços altos chegará às gôndolas e ao bolso do consumidor nos EUA. "Será que o consumidor americano está disposto a pagar mais que o dobro por mel orgânico?", questiona. A resposta pode desencadear queda no consumo, redução da demanda, excesso de oferta e colapso dos preços. 

Exportação do melhor mel do mundo, produzido no Brasil, trava na guerra comercial com os Estados Unidos.Mel da Apis Nativa aguarda exportação: cinco contêineres já retornaram e outros 12 estão parados. (Foto: Divulgação/Apis Nativa)

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Segundo a Abemel, as vendas para o mercado internacional cresceram 38% no primeiro semestre de 2024, com preços saltando de US$ 3.200 para US$ 3.500 por tonelada. Agora, o presidente da Abemel, Renato Azevedo, projeta uma retração entre US$ 40 milhões e US$ 50 milhões até o final do ano, baseada na expectativa de queda de 30% no preço e diminuição de 40% a 50% no volume exportado. 

"Os três maiores estados produtores são Rio Grande do Sul, Paraná e Piauí. Esses três vão sofrer muito [...] Cerca de 30% da nossa produção é consumida no Brasil e o restante vai para fora. Se quiséssemos absorver internamente, teríamos que praticamente triplicar nosso mercado interno", analisa.

Duas grandes empresas exportadoras catarinenses - em Içara e Araranguá - são responsáveis por 20% a 30% de toda a exportação brasileira de mel, segundo a Federação das Associações de Apicultores e Meliponicultores de Santa Catarina (Faasc). O estado produz de 5 mil a 6 mil toneladas com aproximadamente 15 mil produtores. "Nós dependemos quase 100% da exportação para os Estados Unidos”, ressaltou o presidente da Faasc, Agenor Sartori Castagna. 

O preço do quilo do mel está em R$ 15, mas Castagna prevê queda drástica no valor de venda. "Com o tarifaço em vigor, o preço deve cair para R$ 10 ou até menos o quilo com reflexos para os produtores. [...] Exportar para outros países não é tão fácil assim. Às vezes pode levar um, dois ou três anos até achar uma colocação", aponta o presidente.  

Exportação de mel sofre impactos do tarifaço dos EUA.Santa Catarina responde por quase metade das exportações brasileiras. (Foto: Aires Mariga/Epagri)

A Abemel já apresentou propostas ao governo federal com três frentes: financiamento para o setor, continuidade das negociações diplomáticas e pressão sobre os Estados Unidos. Há espaço para ampliar mercados na Europa, Ásia e países árabes, onde o consumo per capita é superior ao brasileiro (apenas 162 gramas por habitante/ano). "É um momento difícil, mas talvez seja uma oportunidade para a cadeia se unir", comenta Azevedo. 

Segundo o chefe da Divisão de Estudos Apícolas da Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural (Epagri), Rodrigo Durieux da Cunha, Santa Catarina tem diversidade de plantas nativas e exóticas, diferentes microclimas e tipos de solo que permitem a produção de méis monoflorais, multiflorais e até mel de melato da bracatinga. "Em Santa Catarina, toda a produção de maçã depende das abelhas, movimentando cerca de R$ 1 bilhão apenas com o serviço de polinização", destaca Durieux. 

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