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O túnel submerso cruzará o Estuário do Porto de Santos, unindo as cidades paulistas de Santos e Guarujá.
O túnel submerso cruzará o Estuário do Porto de Santos, unindo as cidades paulistas de Santos e Guarujá.| Foto: Pedro Júnior/Autoridade Portuária de Santos/Divulgação

Previsto inicialmente para ser lançado nesta segunda-feira (25), o projeto do túnel que ligará as cidades de Santos e Guarujá, no litoral paulista, está incorporado à nova edição do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). O adiamento do evento considerado o pontapé inicial para o Novo PAC em São Paulo foi comunicado na sexta-feira (22), com nova data a depender da recuperação do presidente Lula (PT), que estava sentindo fortes dores no quadril e cancelou toda a agenda externa programada para a semana.

O anúncio do governo petista estima R$ 179,6 bilhões em obras e serviços previstos pelo Novo PAC para São Paulo. Desse total de investimento, cerca de R$ 5,8 bilhões são calculados para o túnel Santos-Guarujá, que deve ser executado por meio de uma parceria público-privada (PPP).

Esse projeto de infraestrutura promete revolucionar a mobilidade urbana e impulsionar a economia da região, reduzindo o tempo de viagem, melhorando a qualidade de vida da população e trazendo benefícios para o Porto de Santos, o maior complexo portuário da América Latina.

As cidades de Santos e do Guarujá são duas ilhas do litoral de São Paulo. Atualmente, uma pessoa pode acessar tanto uma quanto a outra por meio de rodovias a partir da capital. Agora, se estiver em Santos e quiser ir ao Guarujá, ou vice-versa, o caminho torna-se um pouco mais complicado.

A distância que separa as ilhas é de menos de um quilômetro, com o Porto de Santos ocupando as duas margens desse canal. Na Ponta da Praia, em Santos, a distância do Guarujá chega a ser de apenas 400 metros. Tradicionalmente, a circulação entre as duas cidades é realizada por meio de balsas, barcas, lanchas e catraias.

Esse canal, o Estuário de Santos, funciona como uma grande avenida, onde o trânsito das embarcações tem de ser sincronizado com as entradas e saídas dos cerca de 35 grandes navios que passam diariamente por ali. De acordo com Anderson Pomini, presidente da Autoridade Portuária de Santos (APS), a melhoria da mobilidade e articulação do transporte entre Santos e Guarujá é fundamental para as duas cidades e para o Porto de Santos, tendo em vista os conflitos entre a navegação de navios com travessias de balsas e pequenas embarcações no canal do porto.

O trajeto por balsa varia entre 18 e 60 minutos, pois elas não circulam enquanto os navios passam pelo estuário. Isso sem contar as filas, que aumentam em feriados e temporada de verão. Manifestações climáticas, como neblina e chuva, bem como a força da maré e ressacas marítimas também podem atrapalhar esse fluxo. Existe um único acesso por terra que une as duas cidades, a Rodovia Cônego Domênico Rangoni (antiga Rodovia Piaçaguera-Guarujá, inaugurada em 1971), cujo trajeto dura por volta de 60 minutos. Segundo estimativa da APS, a travessia pelo túnel levaria 1 minuto e 42 segundos, impactando diretamente na qualidade da vida da população, que teria mais previsibilidade do deslocamento e mais tempo para outras atividades.

São 78 mil pedestres, 10 mil ciclistas, 10 mil motocicletas, 14 mil carros e caminhões de até 3 eixos cruzando o estuário todos os dias. Em dezembro de 2022, a travessia por balsas foi utilizada por quase um milhão de usuários, 934 mil, de acordo com números da prefeitura de Santos.

Ligação seca entre Santos e Guarujá acumula ideias de projetos há quase 100 anos

A ideia do túnel para realizar a conexão entre as duas ilhas não é nova e tem sido objeto de diversos estudos. Um dos primeiros registros foi realizado pelo jornal local A Tribuna, em 23 de janeiro de 1927: um túnel elaborado pelo arquiteto e engenheiro Enéas Marini.

Ao longo desses quase 100 anos, os projetos de ligação seca entre as duas localidades variaram entre pontes e túneis, como a ponte caracol do engenheiro paulistano Luiz Muzi, de 1950, e a ponte estaiada, de 2010. Nos últimos anos, a ideia do túnel submerso “ganhou a preferência da área técnica, que apresentou isso para as autoridades estaduais”, conta o engenheiro e professor da Universidade Santa Cecília Aureo Figueiredo, que trabalha com obras no Porto de Santos há mais de 50 anos e que faz parte da Comissão Técnica Porto-Túnel, que estuda a melhor forma de conectar as duas cidades.

Aplicado em outros países há décadas, o método construtivo do túnel Santos-Guarujá é inédito no Brasil.

O túnel terá 860 metros de extensão e, ao invés de ser escavado no solo (como um túnel de metrô), seria feita uma espécie de valeta em que os módulos, elementos pré-fabricados em terra, “serão afundados no local exato e depois unidos entre si, de forma que você vai construindo o túnel por etapas”, afirma o professor Figueiredo.

Ele ficará no leito do estuário, abaixo da linha de navegação. “Há todo um sistema de vedação, de lacração e de checagem. Quando tudo está confirmado, esses blocos são esvaziados, drenados e passam a estar prontos para receber as obras de acabamento, pavimento, sinalização e todo o sistema de ventilação e rotas de fuga”.

O projeto prevê blocos de concreto retangulares e sólidos com três câmaras. Nas câmaras laterais, devem circular veículos de passeio e caminhões (com restrições de produtos) e, numa delas, o VLT (Veículo Leve sobre Trilhos). Pela câmara central, passariam pedestres, ciclistas e veículos não motorizados. Apesar da modelagem estar sob estudo, a ideia predominante é de haver pagamento por uso, como é feito atualmente nas balsas.

Túnel Santos-Guarujá reduz riscos de acidentes envolvendo o porto

Segundo o engenheiro eletricista, economista e consultor Frederico Bussinger, que foi diretor da Codesp (atual APS), o Porto de Santos - que movimentou em julho passado 15,3 milhões de toneladas de mercadorias - também se beneficia com a construção do túnel, pela diminuição do tráfego hidroviário. O risco de acidentes entre navios de contêineres, navios de passageiros, balsas e pequenas embarcações, como barcas, lanchas e catraias, é grande.

“Esse tráfego das balsas cruza a frente do navio. E a entrada do porto é muito estreita. Ela não permite você ter mão e contramão, vamos falar dessa maneira. Então o que é que acontece? Você tem que sair. É mão única. E como você tem esse tráfego intenso, você acaba criando dificuldades”, afirma Bussinger. “Então quando você tem mais carros, bicicletas, motos e ônibus trafegando pelo túnel ou por essa ligação, fosse ponte, fosse túnel, você possibilita diminuir o tráfego das balsas. Então o porto se beneficia pelo lado da água e não pelo lado da terra. Isso é virtuoso”, diz.

Para o presidente da Autoridade Portuária de Santos, Anderson Pomini, o túnel “será fundamental para aumentar a agilidade de serviços portuários entre as duas margens do porto, como despachantes, transportadores e agentes marítimos, além de garantir maior segurança à navegação no canal do porto”. Além disso, há 4 mil caminhões que precisam trafegar entre as duas margens do Porto de Santos diariamente. Ele afirma que, com o túnel, haverá também “a integração com o futuro aeroporto regional do Guarujá”, cujas obras também foram incluídas no novo PAC.

Para o professor Aureo Figueiredo, outra vantagem do túnel é não limitar a altura dos navios, como ocorre com as pontes. “Os navios estão adquirindo proporções cada vez maiores, não necessariamente em profundidade, mas principalmente em comprimento e largura”, afirma. Com isso, as pontes têm se tornado um obstáculo à navegação em todo o mundo, tanto por conta dos pilares, quanto por sua altura. “Uma tendência mundial, principalmente nos portos europeus, é demolir as pontes e trocar por túneis”, conta. Segundo cálculos da APS, as vantagens do túnel ainda se estendem ao meio ambiente, com a redução estimada de cerca de 72 mil toneladas/ano de emissões de CO2 na atmosfera.

Sinergia entre população, entidades e governo

Esta é a primeira vez que os governos federal, estadual e municipais, bem como entidades e a própria população, estão em sinergia. Em 2013, por exemplo, houve protestos contra a construção de um túnel por conta da quantidade de desapropriações em um dos bairros tradicionais de Santos, conform relembra Figueiredo. “Isso gerou uma reação natural, evidentemente, dos munícipes, de forma que aquela solução ficou, de uma certa forma, suspensa”.

Em 18 de agosto, foi a vez do parlamento brasileiro se juntar a favor da iniciativa. Em uma cerimônia em um hotel do Guarujá, foi lançada a Frente Parlamentar Mista da Ligação Seca Santos-Guarujá (FPLS). A comissão reúne mais de 200 deputados e senadores e é presidida pelo deputado federal e ex-prefeito de Santos Paulo Alexandre Barbosa. “Nosso objetivo único e principal é a execução da obra”, afirma.

Para o deputado, o túnel Santos-Guarujá faz parte de uma lenda urbana da Baixada. "Como cidadão, eu cresci ouvindo falar na construção desse túnel, que o túnel ia sair. Foram inúmeros projetos apresentados, inúmeras propostas colocadas, e todos têm uma única semelhança: todos ficaram no papel. Nenhum foi executado. Nenhum foi viabilizado. E o cidadão da Baixada Santista espera exatamente isso: que a gente tenha um trabalho diferente para que a gente tenha um resultado diferente. O resultado diferente é a execução de obra. É a entrega da obra para a população”, diz. “Significa dizer que o pai e a mãe, por exemplo, vão poder sair mais tarde de casa para trabalhar. Vão poder chegar mais cedo para conviver com seus filhos. As famílias vão viver melhor com essa obra”, afirma.

Segundo Pomini, após a obtenção das licenças e contratação do projeto-executivo da obra, os próximos passos envolvem a realização de audiência pública, análise pela equipe técnica do Tribunal de Contas da União e publicação do edital para realização do leilão na B3. A expectativa é que o edital seja publicado no primeiro semestre de 2024, segundo projeta Paulo Alexandre Barbosa.

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