As mudanças climáticas com eventos extremos frequentes no Brasil apontam para a necessidade de soluções mais duradouras das concessionárias para a proteção da rede elétrica. Esse item deve entrar em pauta na renovação dos contratos entre os anos de 2025 e 2030, quando cerca de 65% do fornecimento de energia elétrica aos consumidores brasileiros passarão por novos processos de concessões do serviço para o setor privado.
O diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), Bruno Pascon, aponta para mecanismos de proteção da fiação aérea contra queda de galhos durante tempestades e reforça que a rede elétrica atual não foi projetada para suportar as rajadas de ventos acima de 100 km/h, o que ele classifica como o “novo normal” no país.
“A renovação de concessões vai exigir uma segurança robusta da rede elétrica neste novo cenário e terá critérios mais rigorosos com tecnologias para melhorar a confiança na rede, como religadores automáticos”.
Diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), Bruno Pascon
Pascon lembra que as empresas do setor de energia elétrica têm experiência com eventos climáticos, pois o Brasil é recordista em raios pelas características propícias para tempestades tropicais durante as estações de primavera e verão, sendo que o ranking nacional de descargas elétricas é liderado por São Paulo, Mato do Grosso do Sul e Minas Gerais. Ao todo, são mais de 75 milhões de raios registrados anualmente no país.
Mesmo assim, Pascon avalia que a intensidade das situações climáticas extremas mudou e que a rede elétrica deve necessitar de substituições e melhorias para suportar as intempéries climáticas. “Foram registrados ventos entre 80 km/h e 100 km/h, tufões no Sul do país e, em alguns casos, tempestades com rajadas que chegaram a 110 km/h. A rede e as próprias árvores suportam no máximo 80 km/h. Já o sistema de alta tensão de transmissão de energia contempla até 100 km/h”, comenta.
Considerada a solução ideal, o enterramento da fiação elétrica pode aumentar em até 30 vezes a conta de energia, conforme o Pascon, que calcula que uma pessoa que gasta R$ 150 passaria a pagar uma fatura de R$ 4 mil por mês, caso a concessionária repassasse o custo ao consumidor final. Para enterramento de 100% da rede da Enel em 42 mil quilômetros de São Paulo, o orçamento previsto é de R$ 320 bilhões, sendo que a base de ativos é da empresa é de R$ 11,3 bilhões.
O diretor do CBIE acredita que os novos contratos não devem obrigar as concessionárias a fazer 100% do enterramento devido ao custo exorbitante de investimentos, o que pode ser solucionado com parcerias com outros entes privados e com o setor público. “Um quilômetro de rede enterrada custa 10 vezes do que no sistema aéreo. Não é uma solução viável imediatamente. Uma alternativa é conversar com os lojistas, como na Oscar Freire, em São Paulo, onde a fiação é enterrada. Quem pagou por isso foram os lojistas. É uma solução interessante, pois se o capex [investimento] não é feito com o dinheiro da concessionária, não vai para tarifa, não onera o consumidor e melhora a percepção da qualidade do serviço, além de, neste caso, beneficiar o comércio”, analisa.
Na avaliação do diretor do CBIE, as redes mais seguras devem ser instaladas de maneira escalonada, priorizando os 2,7 mil municípios com mais riscos de adversidades climáticas no país.
Dentro das cidades, as áreas mais vulneráveis aos eventos extremos seriam atendidas, primeiramente, com a troca da rede e parte da fiação enterrada. “Um programa que envolva prefeitura, estado de São Paulo, associações de bairros, instituições da área de serviços e mais a concessionária, para escalonar o enterramento da rede, devagar, com parte do fundo arrecadado pela prefeitura com a iluminação pública para o investimento. Tem que ser um conjunto de soluções, pois só a solução mais cara não é viável para o consumidor”, diz.
Outra sugestão para as novas concessões é ter uma regulação de "solidariedade" para que, em eventos extremos, as empresas afetadas possam receber equipes de outras concessionárias do país para acelerar o atendimento e suporte sem repasse do serviço terceirizado na conta do consumidor. “Uma série de empresas ligaram para a Enel oferecendo equipes no evento do dia 3 de novembro. Mas exatamente por não ter um tratamento regulatório, isso gera uma certa insegurança. Não se sabe se o regulador vai considerar esse suporte como uma força terceira e o custo será repassado para a conta de energia. Essa seria uma solução interessante para se aplicar em todo o Brasil: a solidariedade entre as distribuidoras. A rede é uma só e o sistema é interligado”, defende Pascon.
Procurada pela Gazeta do Povo, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) respondeu que, após o apagão da Enel no último dia 3 de novembro, tem mantido “amplo diálogo com todas as partes envolvidas no processo, que inclui o Ministério de Minas e Energia (MME), o Governador do Estado de São Paulo, os Prefeitos dos Municípios atingidos e as sete distribuidoras que operam nessas áreas”.
Segundo a Aneel, o objetivo é construir protocolos que busquem melhores respostas a eventos climáticos severos em três frentes: melhorar a detecção de eventos dessa natureza pelos próprios agentes do setor e em parceria com serviços de meteorologia; aprimorar planos de prevenção e redução de danos, em estreita coordenação com governos estaduais e prefeituras; elaborar plano de ação de recomposição do serviço, também em estreita colaboração com todas as partes envolvidas, inclusive com a possibilidade de utilização de equipes de outras distribuidoras.
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