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A construção do primeiro túnel imerso do Brasil deve atrair grupos internacionais interessados na construção do túnel Santos-Guarujá e na administração por 30 anos da estrutura que ligará as cidades na Baixada Santista, no litoral paulista. O leilão será realizado no dia 1º de agosto na B3, a Bolsa de Valores de São Paulo.
O túnel terá 1,5 quilômetros de extensão, sendo 870 metros imersos a 21 metros de profundidade no canal marítimo que separa Santos e Guarujá. Atualmente, a travessia dos veículos é feita por balsas ou o motorista pode optar pelo trajeto rodoviário de 40 quilômetros. A previsão é que o trecho seja percorrido no intervalo de dois e a cinco minutos pelo túnel imerso.
Por se tratar de uma parceria público-privada (PPP), com investimentos de R$ 5,7 bilhões entre recursos do estado de São Paulo e do governo federal, a empresa vencedora do leilão será aquela que apresentar o maior desconto na contraprestação estatal. Segundo o edital, o valor-base de investimento anual pelo poder público é de R$ 304 milhões.
Na avaliação do advogado Rodrigo Campos, sócio do escritório Vernalha e Pereira e especialista na área de infraestrutura e regulatório, o edital possui características que devem atrair grupos internacionais para o leilão do túnel, assim como empresas brasileiras, na formação de consórcios que devem atender os requisitos de engenharia e operação.
“O projeto foi muito bem construído para que tenha concorrência na licitação, inclusive com estrangeiros, sozinhos ou associados aos brasileiros. Isso depende da formação dos grupos. Com certeza, existe apetite estrangeiro para esse tipo de projeto no Brasil”, afirmou.
O edital do túnel imerso prevê a instalação de pórticos de cobrança automática de pedágio - modelo conhecido como free flow. A tarifa-base para automóveis será de R$ 6,15, com previsão de reajuste anual, compondo as receitas da concessionária, além da contraprestação estatal por meio da PPP.
“Usando a linguagem do mercado, se o projeto parar de pé e se no final do prazo da concessão existe a previsão de lucro para a concessionária, dentro dos padrões legais, o edital vai atrair interessados de diversas origens. Nenhuma concessionária de serviço público entra em um projeto como esse, se não achar que terá rentabilidade”, ressalta Campos.
Interessados no túnel Santos-Guarujá, europeus e companhia chinesa têm negócios no Brasil
Nos bastidores do mercado, empresas estrangeiras com investimentos no Brasil aparecem entre as interessadas no leilão do projeto do túnel imerso. Entre as construtoras brasileiras que cogitam participar da concorrência está a Novonor, antiga Odebrecht. Confira quem são os grupos internacionais interessados no túnel Santos-Guarujá:
- Acciona: o grupo espanhol é o responsável pela construção e concessão da linha 6-laranja do metrô de São Paulo, além de possuir investimentos na área de saneamento no Brasil. Em setembro do ano passado, na B3, a empresa arrematou um lote para prestação de serviço de esgotamento sanitário para a Sanepar em 48 municípios da microrregião oeste do estado do Paraná.
- CCCC: dono da empresa de engenharia e tecnologia Concremat no Brasil, a China Communications Construction Company (CCCC) também está entre as participantes cotadas para o leilão em agosto. A CCCC integra o consórcio chinês com China Railway 20th Bureau Group Corporation (CR20) que venceu o leilão para a construção da maior ponte sobre água da América Latina entre Salvador-Itaparica, na Bahia. Cinco anos depois, a obra sequer foi iniciada e um novo acordo foi homologado pelo Tribunal de Contas baiano.
- Mota-Engil: o gigante da construção português comprou, recentemente, a maioria das ações da Empresa Construtora Brasil (ECB), 13 anos após adquirir metade da sexta maior construtora brasileira. A empreiteira nacional atua nos segmentos de infraestrutura rodoviária, ferroviária, urbana, industrial, aeroportuária, minerária e construção civil. Segundo a Bolsa de Valores de Lisboa, o grupo Mota-Engil está avaliado em 1 bilhão de euros.
- Webuild: o grupo italiano não possui empreendimentos no Brasil. A empreiteira italiana fez parte do consórcio que construiu a ponte San Giorgio, em Gênova, inaugurado em 2020, dois anos após a tragédia na ponte Morandi, onde 43 pessoas morreram na queda da estrutura. Além disso, apresentou projeto para a modernização do estádio San Siro, em Milão, e trabalhou na construção de lagos artificiais em resorts na Arabia Saudita.
Braços de operação e de construção são exigidos de interessados no túnel Santos-Guarujá
Advogado especialista na área de infraestrutura e regulatório, Rodrigo Campos explicou que o edital possui requisitos de qualificação em duas vertentes: operação e construção. Ou seja, de acordo com ele, o grupo vencedor do leilão terá que apresentar os requisitos operacionais para gestão da estrutura rodoviária e também para execução de uma obra do porte do túnel imerso Santos-Guarujá, que demanda a presença de uma construtora.
“É um projeto de concessão patrocinada que é o nome técnico da PPP, que tem agregado a construção de uma obra complexa. Por isso, pode atrair em consórcio empresas construtoras e operadoras ou construtoras com braço na área de operação”, comenta o especialista.
A exigência pode indicar a tendência de formação de consórcios formados por empresas operadoras de infraestrutura e grandes construtoras com experiência para a construção do túnel inédito no país.
“Se formos para um mercado só de operadores, principalmente de rodovias, temos alguns fundos de investimento que não são construtores. Necessariamente, um licitante desse tipo precisa estar atrelado a um consórcio. Neste caso, podemos ter construtoras brasileiras ou estrangeiras, pois se trata de uma licitação internacional”, analisa.
Túnel inédito resgata exigência que foi retirada de concessões rodoviárias no Brasil
Rodrigo Campos lembra que no início do período de concessões rodoviárias no Brasil existia uma “relação simbiótica” entre construção e operação. Assim, o grupo vencedor da licitação deveria apresentar as condições de realização das obras previstas no contrato e também os requisitos para administração da rodovia pedagiada.
“Até a Lava Jato, a maioria dos principais grupos tinham os dois braços no Brasil. Esse sistema se esvaiu e foram firmados os grandes grupos operadores de infraestrutura, concessionárias de rodovias que não necessariamente tem como acionistas as construtoras”, recorda.
O especialista exemplifica que os editais exigiam que o licitante comprovasse a construção de uma quantidade determinada de quilômetros de rodovias, viadutos ou pontes, critérios de engenharia de acordo com a necessidade das obras previstas pelo contrato de concessão.
Na avaliação do advogado, a mudança dos editais na última década aprimorou os processos de concessões rodoviárias no país. “Passou-se a ter o entendimento, muito salutar, que permitiu a entrada de vários outros concorrentes no setor de rodovias, principalmente grupos financeiros. Quem vai administrar uma rodovia deve ter dinheiro para bancar o projeto, em primeiro lugar, e capacidade de operação. Quem vai fazer a obra, não entra mais como requisito no edital”, esclarece.
Assim, as concessionárias de rodovias no Brasil podem contratar um terceiro para a execução das obras. No entanto, Campos ressalta que o edital do túnel imerso resgatou a exigência pela complexidade da obra de engenharia no canal marítimo.
“Quem ganha uma licitação pode contratar uma empresa e o poder concedente ou a agência reguladora avaliam se a contratada tem as condições para execução. Os editais de rodovias retiraram os requisitos para as obras. No túnel Santos-Guarujá, isso foi resgatado pela particularidade do projeto com a construção de uma estrutura greenfield, que sequer existe no país”, compara.
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