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Investigação de PF e MP-SP

PCC teria usado incêndios criminosos para forçar venda de fazendas de cana em SP

incêndios PCC
Imagem de 24/08/2024: foco de incêndio próximo à rodovia presidente Castelo Branco, em São Paulo. Estradas foram interditadas e 30 municípios ficaram em alerta máximo. (Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil)

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"Os policiais militares qualificados relataram que realizavam patrulhamento de rotina pela região Central Parque, momento que um popular realizou uma denúncia anônima, informando que avistou um indivíduo que estava ateando fogo na mata, aos fundos. Diante disso, os policiais se deslocaram ao local, adentraram em uma estrada de terra e imediatamente avistaram uma grande nuvem de fumaça e o fogo se alastrando rapidamente pela mata; também avistaram um indivíduo com algo nas mãos, o qual ao avistar a equipe policial, tentou esconder o galão e empreendeu fuga.”

“Perseguiram-no e conseguiram capturá-lo, mas no momento da abordagem o autor resistiu à prisão, sendo necessário uso moderado da força para contê-lo e algemá-lo. Retornaram ao local do primeiro avistamento, onde o autor escondia algo e localizaram uma garrafa galão, contendo gasolina. Os policiais militares, no momento da prisão, indagaram o autor informalmente – tendo o mesmo assumido que ateou fogo no local e que foi por ordem do Primeiro Comando da Capital, bem como o autor disse isso se vangloriando, pois conseguiu atear fogo, que se alastrou pelo local.”

A prisão de Alessandro Arantes, aos 42 anos, em Batatais, no interior de São Paulo, na noite de 25 de agosto de 2024, traz este histórico contido no boletim de ocorrência que registra o flagrante, e foi noticiada sem maior destaque na época. Com ele, a polícia ainda encontrou um vídeo gravado instantes antes, comemorando o incêndio e assumindo a autoria. 

O caso ganha nova importância sob a luz da megaoperação conjunta de Polícia Federal, Receita Federal e Grupos de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco) dos ministérios públicos estaduais e federal, com apoio das forças policiais estaduais — que expôs no fim de agosto os vínculos bilionários do PCC com a Faria Lima e a extensão da infiltração da facção criminosa sobre o setor de combustíveis no país.

Agora, o caso registrado em Batatais pode ajudar a esclarecer uma onda de incêndios criminosos que devastou milhares de hectares nos canaviais paulistas um ano atrás e deixou no rastro um prejuízo bilionário para o setor sucroalcooleiro. 

A megaoperação revelou que integrantes do PCC se infiltraram em todo o setor de produção de cana-de-açúcar. Também ameaçaram empresários e fazendeiros no interior de São Paulo para vender suas propriedades, conforme apontam as investigações do Ministério Público de São Paulo (MP-SP) e da Polícia Federal.

Agora, policiais e promotores buscam aprofundar as provas sobre as possíveis ligações do PCC com a onda de incêndios criminosos - das quais a prisão de Arantes e suas declarações são mais um indício, de acordo com fontes ligadas às investigações ouvidas pela Gazeta do Povo.

Onda de incêndios criminosos devastou milhares de hectares nos canaviais paulistas e deixou no rastro um prejuízo bilionário para o setor sucroalcooleiro. 

A suspeita é reforçada pela Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de São Paulo (Faesp). “A forma que estava sendo colocada, a forma que ocorreu ano passado sobre esses incêndios criminosos, toda essa pressão que ocorreu deles jogarem o preço embaixo e ser obrigado a vender, criou realmente um clima muito ruim no setor produtivo”, afirmou nesta semana o presidente da entidade, Tirso Meirelles, ao Agro Estadão.

De acordo com ele,  é impossível um raio de 250 quilômetros, entre Ribeirão Preto e Batatais, no interior do estado, ter pegado fogo simultaneamente. “Isso foi colocado, foi proposital”, declarou. 

Incêndios simultâneos destruíram canaviais paulistas em 2024

Os incêndios simultâneos com suspeita de participação do PCC atingiram centenas de propriedades e destruíram pelo menos 80 mil hectares quadrados de canaviais no ano passado, deixando um prejuízo em torno de R$ 1 bilhão ao agronegócio, de acordo com estimativas do governo do estado de São Paulo. Pelo menos 68 pessoas foram vítimas das queimadas, sendo 66 feridos e 2 mortos.

O interior paulista chegou a ter 24 locais de incêndio simultâneos de grandes proporções na manhã do dia 24 de agosto de 2024. Ao todo, 48 municípios foram diretamente afetados. O estado registrou 3.482 focos de incêndio no mesmo mês. A região de Ribeirão Preto, capital do agro paulista, foi a mais afetada durante a onda de queimadas criminosas no ano passado.

Ao todo, em dezembro do ano passado, 39 pessoas tinham sido indiciadas por suspeita de relação com os incêndios pela Polícia Civil de São Paulo em todo o estado, em pelo menos 107 inquéritos instaurados para investigar as causas do fogo, de acordo com a Secretaria da Segurança Pública do estado.

Arantes foi um dos primeiros entre os 19 presos em flagrante pela polícia paulista durante a crise dos incêndios, em agosto do ano passado — dias antes dele, um suspeito havia sido preso em Porto Ferreira e outro em São José do Rio Preto. Outros seguiram-se depois. Ele foi denunciado pelo MP-SP por incêndio, e pode pegar até seis anos de prisão pelo crime se for condenado.

Agora, a suspeita da polícia é de que Arantes — que já possuía passagens pela polícia por furto, roubo e homicídio, seria usuário de drogas e teria problemas psiquiátricos, além de supostamente viver nas ruas na época do crime — possa ter sido utilizado por integrantes da facção criminosa PCC para começar um dos incêndios criminosos em troca de alguma recompensa, mesmo sem ser ligado ao grupo. O processo dele ainda tramita na Justiça e o advogado do réu não foi localizado pela reportagem.

Ameaças para vender fazendas

Segundo as investigações da megaoperação deflagrada na semana passada, empresários, agricultores, colaboradores ligados ao agro e à cadeia produtiva do álcool denunciaram ao MP-SP uma série de suspeitas sobre a compra de usinas, fazendas de cana-de-açúcar, postos de combustíveis e transportadoras ligadas ao setor no interior de São Paulo. 

Fazendeiros, donos de usinas e de postos foram coagidos a vender suas propriedades para grupos criminosos. Os "negócios" eram geralmente fechados à vista, em dinheiro, com valores subfaturados e ameaças de morte caso o vendedor desistisse ou denunciasse a coação. Em vários casos, proprietários rurais não receberam o pagamento e também foram ameaçados de morte em caso de reclamação.

Como o caso envolvia diversos crimes federais, como a sonegação de bilhões de reais em impostos, entraram em campo a Polícia Federal e a Receita Federal. Os crimes apurados envolvem sonegação, lavagem de dinheiro no sistema financeiro nacional, além da adulteração de combustíveis por meio de importações fraudulentas de metanol, entre outros crimes. 

As investigações revelam que os recursos eram lavados por meio de fintechs e depois aplicados em fundos multimercado e imobiliários. Segundo a Receita, foram identificados ao menos 40 fundos de investimentos controlados pela organização criminosa, com investimentos totais na casa dos R$ 30 bilhões.

O grupo criminoso possuía um terminal portuário no porto de Paranaguá, no litoral do Paraná, quatro usinas de produção de álcool no interior de São Paulo, uma refinaria de combustíveis, além de transportadoras com uma frota de 1,6 mil caminhões e 100 imóveis, dentre os quais seis fazendas, além de uma rede com centenas de postos de gasolina espalhados pelo país. A facção também investia em lojas de conveniência, padarias e outros negócios.

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