
O Brasil deu um passo importante na direção da primeira vacina mundial contra esquistossomos. O Instituto Oswaldo Cruz (IOC), ligado à Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), concluiu os testes clínicos fase 1 do novo medicamento. Os estudos demonstraram a segurança e a eficácia do produto, que induz a imunidade à doença. Se tudo correr bem, a vacina deve chegar ao mercado em quatro anos, depois que for testada em larga escala. A doença afeta 200 milhões de pessoas no mundo e é endêmica em 74 países, entre eles o Brasil.
"Avançamos de maneira muito significativa num ponto onde há uma lacuna enorme, que são as chamadas doenças negligenciadas. E isso está sendo feito dentro de um processo 100% nacional de pesquisa", afirmou o presidente da Fiocruz, Paulo Gadelha.
Proteína
Os estudos, iniciados há 30 anos e liderados pela pesquisadora do IOC Miriam Tendler, identificaram que o verme transmissor da esquistossomose tem a proteína Sm14, responsável pelo transporte do lipídio fonte de energia do hospedeiro para o parasita. Os vermes não sintetizam o lipídio e morrem se essa proteína não atuar.
Ao ser inoculada no ser humano, a proteína estimula a produção de anticorpos e prepara o sistema imunológico para uma possível infecção. Se a pessoa imunizada tem contato com o verme, esses anticorpos neutralizam a Sm14 no parasita, que não sobrevive no organismo. Na primeira etapa, 20 voluntários adultos e saudáveis receberam três doses da vacina. Os efeitos colaterais estavam dentro do esperado apenas dor local. A partir de janeiro, 266 crianças e mulheres serão inoculadas em áreas endêmicas no Brasil e na África.
A contaminação da esquistossomose se dá pelo contato com caramujos infectados, em áreas de água doce com pouca correnteza ou parada. A doença provoca anemia e comprometimento da capacidade cognitiva das crianças.
Produto é resultado de 37 anos de pesquisa
As pesquisas para produção da vacina contra esquistossomose tiveram início em 1975 na Fiocruz. Na primeira década de pesquisas, os cientistas brasileiros conseguiram identificar o princípio ativo que poderia exercer efeito farmacológico contra o parasita. Na segunda década de trabalho foi identificada a proteína (S14), também presente em outros parasitas. Essa constatação dá a possibilidade de se produzir uma vacina polivalente ou seja, que serve para a prevenção de outras doenças parasitárias, inclusive aquelas que atingem gado de corte.
Na década de 1990, o Brasil depositou a primeira patente com as descobertas e nos anos 2000, por meio de parceria público privada (PPP) e com apoio da Financiadora de Projetos (Finep), criou-se um modelo de negócio que permitiu a industrialização da vacina cuja segurança foi anunciada hoje.
A pesquisadora Miriam Tendler calcula que os resultados já poderiam ter sido obtidos há dez anos e atribui a longa trajetória da pesquisa a problemas de descontinuidade de financiamento e de arranjo institucional. "Para você efetivamente fazer um produto de dentro de uma instituição acadêmica é uma coisa muito complexa e complicada. Então as parcerias [PPP, possíveis após a Lei nº 11.079/2004] são fundamentais", disse à Agência Brasil. A pesquisadora não soube informar quanto custou o desenvolvimento da vacina ao longo de mais de três décadas.



