
Um relatório divulgado nos meses de julho e agosto por três empresas farmacêuticas jogou um balde de água fria na expectativa de milhares de médicos e familiares de pacientes com Mal de Alzheimer, doença que atinge 36 milhões de pessoas em todo o mundo, de uma cura para o problema. Duas drogas derivadas de anticorpos que, esperava-se, poderiam combater uma das principais causas da doença não surtiram efeito na maioria dos pacientes testados.
As duas drogas, batizadas de bapineuzumab e solaneuzumab, visavam a combater a proteína beta-amiloide, um peptídeo que forma "placas senis" (espécies de "bolotas") entre os neurônios e impede a conexão entre eles, primeiramente na área do hipocampo (responsável pela memória) e mais tarde se alastrando para outros locais, gerando morte celular. Um dos remédios focava na degradação das placas senis, e outro impedia que as mesmas se formassem bloqueando a produção da beta-amiloide.
Hora certa
Com o fracasso dos testes clínicos, porém, uma nova e polêmica hipótese surgiu entre alguns pesquisadores: a de que a solução poderia estar na época da vida em que a pessoa toma o remédio. Os resultados da solaneuzumab, por exemplo, foram mais promissores em pacientes no estágio leve da doença do que nas suas fases moderada e grave, o que sugere que, caso a pessoa tome o remédio na fase ainda assintomática, as placas podem vir a não se desenvolver e, consequentemente, a doença não surgiria.
"Um exemplo paralelo seria previnir o AVC ou o infarto do miocárdio através do tratamento do colesterol e triglicérides, e não ou inverso, ou seja, tratar o colesterol e triglicérides depois que o paciente já teve o AVC ou o infarto", explica o neurologista André Felicio, membro da Academia Brasileira de Neurologia e clinical fellow da University of British Columbia, no Canadá. Como resumiu um pesquisador americano, o objetivo é responder a uma questão-chave: "As pessoas estão sendo tratadas muito tarde?"
Tal procedimento, no entanto, é complicado. Primeiramente, porque não se pode recrutar qualquer pessoa com 30, 40 ou 50 anos e pedir que tome o remédio. E não se sabe também quanto tempo antes do aparecimento do mal é preciso iniciar o tratamento. "Como toda medicacão, estes anticorpos têm riscos e uma série de efeitos colaterais. Além disso, são administrados via intravenosa, o que não é uma logística tao simples", complementa Felício.
Vale a pena?
Exames que detectam predisposição ao mal geram polêmica
Atualmente, é possível saber, através de exame de tomografia por emissão de pósitron (PET) e do exame do líquor (fluido que fica no cérebro, entre o crânio e o córtex cerebral), a predisposição para o Mal de Alzheimer, que geralmente dá seus primeiros sinais por volta dos 65 anos. Ao saber que uma pessoa irá desenvolver o mal, é possível, inclusive, submetê-la a tratamentos com drogas que não agem tão bem em casos mais avançados, com o objetivo de descobrir se ajudam a combater casos mais leves.
A questão é: até que ponto vale a pena incentivar os exames que têm em torno de 99% de acurácia para aprimorar os estudos e beneficiar mais pessoas (quando a tendência é de que, com o envelhecimento das populações, cada vez mais pessoas tenham Alzheimer)? Para o neurologista do Hospital Pilar Luiz Carlos Benthien, o risco não vale a pena. "Até que ponto podemos saber se o remédio vai fazer efeito? Há pessoas que se suicidam ao saber do diagnóstico. Sou contra", diz.
Para o neurologista do Instituto do Cérebro do Hospital Albert Einstein em São Paulo David Schlesinger, ainda é cedo para dizer que as pesquisas no atual estágio fracassaram e já partir para outras hipóteses. "Um bom neurologista erra em até 20% dos casos, ou seja, faz um diagnóstico errado. Pode ser que aquelas pessoas que não responderam bem aos testes não tenham Alzheimer, e sim outra demência. É cedo para afirmar que houve um fracasso. E a indústria tem motivos para continuar tentando. Hoje eles gastam bastante, mas quando encontrarem a solução, será uma das maiores descobertas da Medicina".



