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Renailda Mainardes tem diabete tipo 2 desde os 30 anos e sofre com rachaduras nos braços que demoram a cicatrizar | Aniele Nascimento / Gazeta do Povo
Renailda Mainardes tem diabete tipo 2 desde os 30 anos e sofre com rachaduras nos braços que demoram a cicatrizar| Foto: Aniele Nascimento / Gazeta do Povo

Tipo 1

O diabetes mellitus manifesta-se de duas formas. O tipo 1, que responde por 8% dos casos, acomete principalmente crianças e adolescentes e compromete totalmente a produção de insulina. É uma doença autoimune, quando células de defesa do organismo atacam as células produtoras de insulina. Sem produzir o hormônio, aplicar insulina diariamente é necessário.

Tipo 2

Mais comum em adultos, está associado ao estilo de vida. O organismo torna-se resistente à insulina – o pâncreas produz o hormônio, porém as células não permitem mais a entrada da glicose, gerando um acúmulo de açúcar no sangue. Excesso de peso, sedentarismo, tabagismo, alcoolismo e histórico familiar são fatores de risco. Adotar hábitos mais saudáveis e medicação são necessários.

Dúvidas

Veja quem pode e como receber os medicamentos gratuitamente

>>Como fazer para receber os medicamentos grátis, pelo SUS, como insulina e fitas?

De acordo com a Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD), a Lei Federal 11.347/2006 determina que pacientes com diabete recebam, gratuitamente, do Sistema Único de Saúde (SUS), os medicamentos necessários para o tratamento, assim como os materiais necessários para a aplicação e a monitoração da glicemia capilar.

Na prática, o paciente precisa ir até o posto de saúde mais próximo e cadastrar-se como paciente com diabete do SUS ou do Sistema de Informação em Hipertensão e Diabetes (Hiperdia). No mesmo local, deve solicitar os medicamentos necessários para o tratamento mediante apresentação de prescrição médica. Se não for plenamente atendido, o paciente deve levar o caso à ouvidoria da Secretaria Estadual de Saúde.

>> Quais medicamentos são disponibilizados pelo SUS?

De acordo com o Ministério da Saúde, para o tratamento de diabete, o Sistema Único de Saúde oferece os medicamentos glibenclamida, metformina e glicazida. Cabe aos estados e municípios a seleção, aquisição, armazenamento, controle de estoque e prazos de validade, distribuição e dispensação dos medicamentos. À União compete a aquisição das insulinas humanas NPH e regular.

Fonte: Sociedade Brasileira de Diabetes e Ministério da Saúde.

Três mil paranaenses tiveram que amputar algum membro por causa da diabete

Uma das complicações mais graves da diabete são os machucados que não cicatrizam. O médico responsável pelo Ambulatório de Feridas e Pé Diabético no Hospital Pilar e Diretor do Departamento do Pé Neuropático da Sociedade Brasileira de Diabetes-Regional Paraná, Adriano Mehl, realiza um trabalho focado nos eventos adversos da diabete não controlada, que resulta no retardo da cicatrização dos machucados, infecções, úlceras, lesões e até amputação dos membros inferiores, principalmente.

"Quando recebemos o paciente, ele já apresenta um estado avançado de intercorrências como a neuropatia diabética, que provoca a perda da sensibilidade dos membros inferiores, fazendo com que a pessoa se machuque e não sinta. Quando a ferida é percebida, já está na maioria das vezes com necrose dos tecidos e processo infeccioso associado", relata Mehl.

No Ambulatório de Feridas e Pé Diabético no Hospital Pilar, Mehl recebe pacientes diabéticos com lesões gangrenadas que muitas vezes poderiam ser evitadas se fossem cumpridos certos controles de saúde, como a prevenção e a detecção precoce de lesões nos pés, detecção da neuropatia e dos pacientes de risco para estas lesões, acompanhamento adequado dos níveis glicêmicos e a utilização de melhores técnicas e tecnologias para o tratamento de feridas. Mas, além disso, ele questiona os tratamentos disponibilizados na rede pública -- de acordo com o médico, o SUS fornece remédios, mas necessita melhorar o monitoramento destes pacientes, seus riscos e suas lesões e de uma total reformulação quanto à atualização científico-terapêutica no que concerne ao tratamento de feridas.

Álvaro Machado, de 65 anos, é um dos pacientes de Mehl que sente na pele essas dificuldades. Toda semana, ele vem de Catanduva, em Santa Catarina, para consultar e dar continuidade ao tratamento de um machucado no pé esquerdo, que resultou na amputação de um dos dedos necrosados. Isso foi há um ano, mas a ferida ainda não cicatrizou.

Segundo Álvaro, o maior problema é a falta de sensibilidade -- com a circulação na área afetada, ele não sente quando se fere, por isso tem de tomar cuidado redobrado com qualquer movimento e examinar pés e pernas diariamente. Além disso, a visão também foi afetada de tal modo que Álvaro teve de abandonar a profissão de marceneiro e parar de dirigir. As restrições impostas pela doença provocam sérias oscilações no humor do aposentado.

Acompanhando tantos casos semelhantes ao de Álvaro, Mehl tomou para si a defesa da implementação de uma tecnologia de pressão subatmosférica, que protege a ferida por meio de sucção. Para defender a causa, ele conta com as estatísticas: de acordo com o médico, estima-se que 15% dos diabéticos com mais de 10 anos de doença corram risco de desenvolver lesões nos pés, e desses, 25% poderão sofrer algum tipo de amputação se os níveis de glicemia não forem devidamente controlados. No Paraná, três mil pacientes foram submetidos à amputação e cerca de 12 mil sofrem com feridas que não saram.

"Há equipamentos que aceleram a cicatrização, em 10 dias há uma melhora de 40% da ferida. Mas não há mobilização do SUS para fornecer este tratamento. Enquanto isso, pacientes fazem longos tratamentos com antibióticos, de até dois anos, mesmo assim muitas vezes têm de amputar o membro e ficam na UTI por dias. Tudo isso tem um custo altíssimo, que seria compensado pelo investimento em tecnologias de tratamento mais modernas", explica.

Silenciosa e de sintomas discretos até resultar em complicações graves, a diabetes é hoje um dos maiores problemas de saúde pública mundial: a Federação Internacional de Diabetes (IDF) estima que haja 382 milhões de pessoas com a doença no mundo, mas 46% desconhecem o diagnóstico. O Brasil figura na quarta posição do ranking mundial de países com maior número de diabéticos: 11,9 milhões – 600 mil no Paraná.

Em 2013, um levantamento do Ministério da Saúde mostrou que, apesar de discreta, a doença preocupa pelo alto índice de óbitos: cerca de 50 mil por ano – a diabete mata quatro vezes mais do que a aids e supera o número de vítimas de acidentes de trânsito. No Plano Nacional da Saúde 2012/2015, a diabete consta como a primeira causa de hospitalização do SUS, ao lado da hipertensão.

De acordo com a endocrinologista Rosângela Réa, médicos e pacientes lutam duas batalhas contra a doença: o diagnóstico tardio e a dificuldade de implementação adequada dos tratamentos. "Hoje, o maior desafio no Brasil é conhecer o paciente e desenvolver um programa terapêutico adaptado e que seja seguido. Entre 40% e 50% dos portadores desconhecem sua condição e muitos dos que sabem, ignoram ou retardam o tratamento", observa.

A personalização do programa terapêutico também é limitada. Hoje, existe uma boa variedade de medicamentos para o tratamento que, mais modernos, minimizam os danos provocados pela doença e promovem a perda de peso e o controle da pressão arterial. No entanto, a maioria dessas novidades está disponível apenas na rede privada.

Pelo Sistema Único de Saúde (SUS) são fornecidas as insulinas NPH e regular e os hipoglicemiantes (orais) básicos: metformina (age melhorando a ação da insulina no fígado); a glibenclamida e a gliclazida (estimulam o pâncreas a produzir mais insulina). Segundo Rosângela, os medicamentos disponibilizados gratuitamente são eficazes, mas antigos.

"A medicina já desenvolveu medicamentos melhores, que reduzem efeitos colaterais das drogas mais antigas e poupam mais o pâncreas. A glibenclamida pode provocar ganho de peso e há estudos que a associam ao agravamento de enfarto, por exemplo", explica Rosângela.

O endocrinologista Márcio Krakauer, membro do Núcleo de Tecnologia em Diabetes da Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD), corrobora: o mercado farmacêutico brasileiro não possui defasagem em nenhum tratamento existente hoje, mas só uma minoria dos pacientes tem acesso a essas opções. "O SUS oferece as insulinas humanas e apenas três hipoglicemiantes. No entanto, a gliclazida é o único considerado um bom hipoglicemiante, mas é difícil encontrar nos postos de saúde, só alguns poucos têm estoque. Já a gliblencamida é um remédio com ação cardiovascular negativa, que a SBD não recomenda mais", diz Krakauer.

Em relação às insulinas, Krakauer explica que as análogas apresentam menos risco de hipoglicemia e de aumento de peso – uma grande vantagem em relação às insulinas humanas disponibilizadas pelo SUS. A justificativa do MS para não incluir as insulinas análogas na política nacional de combate da diabete é de que não há evidências científicas conclusivas de que elas reduzam a mortalidade e a morbidade dos pacientes.

Segundo o MS, todos os medicamentos ofertados pelo SUS são avaliados e aprovados pela Comissão de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec), de modo que sua qualidade e eficácia são garantidas pelo MS. À Conitec cabe definir a incorporação, exclusão ou alteração de tecnologias de saúde disponíveis pelo SUS e quais protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas são adotados. A reportagem questionou os custos por paciente, mas o MS alegou não disponibilizar essa informação.

Pouca disciplina prejudica tratamento

Diabete é uma doença difícil. Na avaliação da endocrinologista Rosângela Réa, falta conscientização e disciplina por parte do paciente. "É uma doença de poucos sintomas iniciais e que exige muita disciplina. Isso desestimula. O tratamento está diretamente vinculado à dieta e à prática de exercícios, o que também é uma barreira", explica a médica.

"Alguns pacientes dizem que preferem morrer a usar insulina. O tratamento existe, há uma gama enorme de terapias seguras, mas em contrapartida há uma educação deficiente do próprio paciente, que muitas vezes recusa o tratamento", conta Adriano Mehl, médico responsável pelo Ambulatório de Feridas e Pé Diabético no Hospital Pilar.

Retardar o diagnóstico e o tratamento, no entanto, é temeroso. Quando sob controle, a convivência com a doença requer disciplina, mas não implica muitas restrições. No entanto, as complicações podem alterar drasticamente a rotina do portador: perda de visão, insuficiência renal, amputação de membros e problemas cardiovasculares (enfarto e acidente vascular cerebral) estão entre os desdobramentos mais comuns. Em menos de 10 anos as primeiras complicações podem surgir se o tratamento não for seguido à risca.

Renailda Valadares Mainardes, 47 anos, é uma exceção. Além de ter desenvolvido a doença muito jovem, com apenas 30 anos, teve o benefício dos sintomas (tontura e dores no corpo), o que agilizou o diagnóstico do diabete tipo 2. Ela faz o tratamento pelo SUS, mas tem queixas. "Tomo remédios para diabete e pressão alta, pego no SUS. Mas o tratamento é ruim. A gente chega e não medem glicose, não explicam o que pode e o que não pode, só passam os remédios. Não tem como saber se está evoluindo ou não", reclama.

Além da desinformação comum à doença, Renailda já sofre com algumas das complicações do diabete: as feridas que não saram. As rachaduras nas mãos e braços surgem sem razão aparente, começam com coceira e muito facilmente formam-se as feridas. Mesmo com remédios e cuidados, vão-se meses até sarar; mas as cicatrizes permanecem.

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