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A professora Dale Love-Callon diz estar dormindo muito melhor agora. | Patrick T. Fallon/NYT
A professora Dale Love-Callon diz estar dormindo muito melhor agora.| Foto: Patrick T. Fallon/NYT

As mesmas telas digitais que ajudaram a criar uma geração de insones também podem ser capazes de restaurar o sono regular, dizem pesquisadores. Em um novo estudo, mais de metade dos insones crônicos que usaram um programa automático de terapia on-line relataram melhoras depois de algumas semanas e estavam dormindo normalmente um ano mais tarde.

O novo relatório, publicado pelo jornal JAMA Psychiatry, é o mais abrangente até agora e sugere que muitos insones comuns poderiam se beneficiar de um tratamento reconhecido – terapia cognitiva comportamental – sem nunca ter que falar com um terapeuta. Pelo menos um em dez adultos pode receber o diagnóstico de insônia, que é definida como um sono interrompido, irregular e inadequado por pelo menos três noites por semana por três meses ou mais.

“Eu tive insônia minha vida inteira e tentei de tudo”, afirma a professora de matemática Dale Love-Callon, de 70 anos, da Califórnia (EUA), e que recentemente usou o software. “Não resolvi o problema 100%, mas estou dormindo muito melhor agora.”

Estudos anteriores já haviam descoberto que a terapia do sono on-line pode ser efetiva, mas muitos deles foram pequenos ou focados em um problema específico relacionado ao sono, como a depressão.

A nova pesquisa testou a terapia digital em um grupo mais amplo e diverso de insones de longa data, cuja principal reclamação foi falta de sono. A maioria havia tomado remédios ou suplementos ao longo dos anos e alguns ainda os usam.

“Esses resultados sugerem que há um grupo de pacientes que podem se beneficiar sem precisar de uma intervenção intensa”, como terapia face-a-face, diz Jack Edinger, professor do departamento de Medicina do National Jewish Health, de Denver, que não participou do estudo. “Ainda não sabemos exatamente quem faz parte desse grupo – as pessoas que se tornam voluntárias em um estudo como esse, em primeiro lugar, estão bastante motivadas –, mas eles estão por aí.”

Terapia digital

No estudo, liderado por pesquisadores da Universidade da Virgínia, os médicos recrutaram pela internet 303 pessoas entre 21 e 65 anos. Metade foi aleatoriamente designada para receber educação e conselhos sobre insônia – uma espécie de placebo digital, embora ativo, já que esse tipo de conselho frequentemente ajuda a dormir melhor. A outra metade fez terapia on-line focada por seis semanas com um produto chamado SHUTi.

Alguns dos pesquisadores, assim como a universidade, têm uma participação nesse produto, que custa US$ 135 por 16 semanas de acesso. Nenhuma das pessoas ligadas à empresa analisou os dados, teve acesso a eles ou participou da análise das informações, afirma Lee Ritterband, autor principal e desenvolvedor da terapia on-line.

O SHUTi não é o único produto de terapia digital para insônia do mercado. O Sleepio, que custa US$ 300 por um ano de acesso e é oferecido por uma empresa de Londres, é outro que usa terapia cognitiva. E também mostrou bons resultados em um estudo aleatório.

Ambos incorporam as técnicas da terapia cognitiva comportamental para insônia, uma abordagem que os terapeutas vêm usando com sucesso há anos. Algumas dessas técnicas datam de décadas atrás. Uma é chamada de restrição de sono, na qual a pessoa define uma “janela de sono” regular e trabalha para cumpri-la. Outra é chamada de controle do estímulo, uma tentativa de quebrar a associação entre deitar na cama e atividades como ver vídeos e comer.

Finalmente, a terapia busca minar as suposições autodestrutivas sobre o sono, como “Sem uma boa noite de sono, não consigo funcionar no dia seguinte” ou “Remédios são provavelmente a única solução para a insônia”. O programa solicita que as pessoas o acessem diariamente e descrevam cada noite de sono em detalhes; e então adapta sessões semanais baseadas nesses relatos.

O problema de Dale Love-Callon, por exemplo, era acordar muito cedo, às quatro da manhã mais ou menos. O programa on-line, conta, aconselhou-a a, ao acordar nesse horário, sair da cama, sentar e ler por 40 minutos – o que provavelmente induz mais ao sono do que, digamos, fazer compras on-line. “E tem funcionado. Eu fico sonolenta quando estou lendo e consigo voltar para a cama e cair no sono”, afirma.

A equipe de pesquisa acompanhou os participantes, avaliando a qualidade de seu sono por meses, usando questionários padronizados. Depois de um ano, 57% das pessoas que usaram o programa de terapia on-line estavam dormindo normalmente, comparados com 27% daqueles que receberam apenas conselhos e educação.

“Continuamos a ver melhoras na avaliação de seis meses até o final do ano, apesar de as pessoas terem parado de usar o programa. E esse é um sinal muito bom”, conta Ritterband.

Aplicativos mentais

Segundo o doutor John Torous, codiretor do programa de psiquiatria do Centro Médico Beth Israel Deaconess e da Escola de Medicina de Harvard, há cerca de uma dúzia de programas on-line no mercado que usam técnicas de terapia cognitiva comportamental – para um grande número de problemas, incluindo depressão – que também tem a eficiência confirmada por evidências rigorosas.

“Há talvez 10 mil aplicativos mentais por aí, e o número está aumentando mais rapidamente do que a base de evidência. Então, é bom ver alguém fazendo estudos cuidadosos”, avisa Torous.

Torous diz que a única advertência de todos eles é a adesão. “Quando você para de pagar as pessoas para participar de uma pesquisa, quando eles param de receber telefonemas de lembrete, geralmente param de fazer o que precisam. É como uma inscrição na academia; as pessoas vão lá duas vezes e depois desistem.”

No entanto, o potencial das terapias on-line de alcançar números imensos de pessoas faz com que seja mais provável que elas se tornem o processo escolhido em vários casos, dizem alguns especialistas.

“Apesar de termos motivo para a moderação, parece inevitável que os programas on-line de terapia cognitiva comportamental para a insônia sejam cada vez mais usados como a principal intervenção para esse problema”, concluiu o editorial que acompanha o estudo no jornal. “Também é provável que a comunidade médica tenha pouca influência em se, quando e como isso vai acontecer.”

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