
No próximo dia 26 comemoram-se 10 anos do anúncio do sequenciamento do genoma humano. Na ocasião, duas equipes, uma pública e uma privada, investiram milhões de dólares em pesquisa competindo para ver qual seria a primeira delas a publicar um rascunho do DNA humano. De lá pra cá, o conhecimento gerado por essas pesquisas possibilitou o desenvolvimento de medicamentos e testes que identificam doenças genéticas; no entanto, médicos e pesquisadores acreditam que a ciência ainda não foi capaz de cumprir as expectativas criadas há uma década. A grande promessa da medicina individualizada, com medicamentos específicos de acordo com o código genético de cada pessoa, ainda é apenas ficção científica.
Na edição comemorativa que a revista Nature dedicou ao assunto, o pesquisador que dirigiu o consórcio público, Francis Collins, admitiu que "os resultados para a medicina clínica foram, de longe, modestos". É inegável que o Projeto Genoma Humano gerou uma quantidade imensa de informações; no entanto, mesmo após 10 anos de estudo, esse grande volume de dados ainda é um desafio para os cientistas. "Ainda não alcançamos tudo que havíamos previsto, mas estamos no caminho. Temos material e dados acumulados para mais 50 anos de pesquisa. Ainda não deu tempo de estudar as aplicações de todo o conhecimento", afirma Sara Teresinha Olalla Saad, pesquisadora do Hemocentro da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp, no interior de São Paulo).
Embora ainda não se tenha conseguido aperfeiçoar terapias em níveis individualizados, o sequenciamento do genoma humano teve um impacto importante no diagnóstico de doenças genéticas. De acordo com o geneticista e presidente da Sociedade Brasileira de Genética Médica, Salmo Raskin, o maior benefício foi poder identificar até mesmo quando há uma alteração em um único gene. "Com isso pode-se desenvolver testes capazes de confirmar a suspeita dessas doenças", afirma. A partir desses testes, pessoas que têm histórico de alguma doença genética na família podem descobrir se carregam o gene ou se têm chance de ter um filho com a doença.
É o caso de Amauri, que aos 42 anos decidiu fazer um teste para saber se carrega o gene responsável pela doença de Huntington, uma síndrome genética degenerativa que causa descontrole de movimentos corporais e acaba levando a pessoa à incapacidade. Depois de ver o avô, o pai e dois irmãos sofrerem com a doença, ele decidiu que queria saber se seu destino seria o mesmo dos familiares. "Quis fazer o teste para poder viver em paz, me programar. Deu negativo e fiquei aliviado, mas se tivesse acusado que eu tinha a doença, pelo menos poderia fazer planos para o tempo em que ainda teria autonomia", conta.
Além de tornar possível o diagnóstico, o conhecimento do genoma também permitiu que fossem criadas novas terapias para algumas doenças genéticas. No caso da fibrose cística, por exemplo, a identificação do gene relacionado com a doença permitiu que se criasse um novo medicamento. "Antes não sabíamos como ela acontecia, mas descobrindo o gene pode-se ver como ele se expressa em pessoas saudáveis e criar um medicamento capaz de reproduzir isso em pessoas doentes", explica Raskin.
Se, por um lado, no que diz respeito a doenças genéticas as descobertas foram significativas, por outro Raskin considera que, para doenças mais comuns, os avanços não foram tão grandes. Sabe-se que doenças como diabete, hipertensão, obesidade, depressão ou enfarte têm um componente genético, mas não se sabe exatamente quais e quantos genes estariam envolvidos. "Alguns até já foram identificados, mas pode ser que haja outros", explica. O geneticista lembra ainda que o Projeto Genoma estudou a sequência dos genes, mas algumas doenças podem ter relação não apenas com um erro na sequência, mas com alterações em outras etapas de formação das proteínas.



