
Há um ano e oito meses, a artista plástica Ana Maria Zaguini Bernardes, de 60 anos, mudou de vez a relação que tinha com o Parkinson, doença degenerativa com a qual foi diagnosticada há cinco anos. Entrou pela porta da Associação Paranaense de Portadores de Parkinsonismo (APPP) em Curitiba disposta a conhecer de perto o inimigo que lhe causou uma depressão, a impediu de dirigir, afetou seu trabalho como pintora e até o amor pelo esporte foi nadadora de mar aberto e de piscinas por 20 anos.
Embora conhecesse os efeitos da doença, foi a partir dali que ela, bem humorada e extrovertida, passou de fato a entender o que ocorria com o seu corpo. Passou a ler e recortar o que era publicado em revistas e jornais leigos e científicos sobre o assunto, a participar de palestras e a monitorar o que sai na internet sobre o Parkinson, para depois colar no mural da associação.
Para além de consultas com o objetivo de monitorar a saúde, Ana Maria criou o hábito de consultar semanalmente o médico da associação, com o objetivo de tirar dúvidas que ela e os colegas têm sobre o futuro que os aguarda. "Quando criança, eu não tive a fase do porquê. Agora eu pergunto o porquê de tudo. E a relação com o médico melhora muito. Você não omite as coisas, e isso faz o médico diagnosticar melhor", diz ela, que antes nem passava perto de reuniões de portadores.
Assim como Ana Maria, milhares de brasileiros têm mudado a relação com doenças e síndromes por meio de maior participação em grupos e associações de pacientes. Não há números consolidados a respeito do assunto, que começou a ser observado com mais intensidade nos últimos 10 anos, mas quem clinica ou está ligado a universidades percebe o protagonismo e a exigência crescente desses pacientes.
O chefe do Setor de Neurologia do Hospital Cajuru, Renato Puppi Munhoz, que também é medico da APPP, é testemunha das mudanças provocadas pelo engajamento dos pacientes. "Eles perguntam questões técnicas, e não apenas de ordem prática. Querem saber se você está por dentro de tal pesquisa, se conhece determinado medicamento que um colega comentou, ou sobre aquela terapia ser boa pra ele. O médico precisa estar preparado, pois a relação muda."
Para Munhoz, há outro aspecto a ser considerado: como o convívio com outros pacientes afeta a visão que cada um tem da sua doença. Ao conviver com outros portadores numa fase mais avançada, é natural que quem está num estágio inicial tome conhecimento de como será a progressão do problema. "Isso pode ser bom ou ruim. Num primeiro momento ele pode ficar pessimista, mas é bom porque ajuda a desmistificar a doença. A pessoa se prepara. Vê que é algo sério, mas não é o fim do mundo. No geral, eu vejo como algo bom."
Compromisso leva a mudanças
Em muitos casos, a iniciativa das associações pode não apenas transformar a vida dos pacientes individualmente, mas também contribuir para melhorias num nível mais profundo, capaz de refletir nas políticas públicas e na maneira como a sociedade encara o problema. Foi o que ocorreu no caso da Associação Reviver Down, fundada em maio de 1993 pela assistente social do Hospital de Clínicas (HC) da UFPR Noêmia Cavalheiro.
A associação foi uma resposta ao preconceito e à falta de informação enfrentados por Noêmia após o nascimento do filho Carlos Eduardo, o Dudu, que tem a síndrome, há 23 anos. No fim dos anos 80, até mesmo os médicos eram desinformados sobre os potenciais dessas pessoas. A própria Noêmia, que já estava há cinco anos no HC àquela época, trabalhando no berçário de alto risco (atual UTI neonatal) com crianças que tinham a síndrome, não conhecia nada do assunto.
Com a Reviver, mergulhou em pesquisas e estudos e foi conhecer a experiência de outros países. O marido vivia em sebos à procura de livros que pudessem desvendar aquele universo desconhecido dos portadores de síndrome de Down. Pela associação, Noêmia participou do primeiro congresso brasileiro na área, em 92, e, quando voltou, exigiu do pediatra de Eduardo algo impensável: um exame de coração para verificar cardiopatias, já que 50% dos portadores têm alguma anomalia no órgão.
"Ninguém fazia ecocardiograma na criança, ela tinha alta e depois desenvolvia problemas cardíacos. Não havia teste da orelhinha, do olhinho, ecografia abdominal; não davam vacinas, não estimulavam a criança", recorda ela, que, após um congresso na Espanha, também repassou todas as informações aos médicos do HC.
Em 1997, diante do esforço das mães e dos pais que participavam da associação, nasceu dentro do hospital o primeiro Ambulatório de Síndrome de Down da América Latina. Foi uma revolução. "Antes, a literatura médica dizia que as crianças morreriam cedo, então não se fazia muita coisa por elas. Passamos a pressionar os médicos. Conheço mães que só recebem receita de remédio e dizem que não é assim, que a associação falou diferente, que não é só remédio, é estímulo, conscientização."
Atualmente, a associação se concentra em acolher os pais logo no início, através do Programa Nascer Down, que conta com 100 participantes. Assim que um bebê com a síndrome nasce em algum hospital de Curitiba e região, a associação é notificada e manda um membro para conversar com a família. O outro lado do ativismo envolve pressionar por mais espaço para as crianças nas escolas regulares.
A conscientização, ao que parece, tem rendido frutos. Eduardo atualmente trabalha numa farmácia. Outros estudam. Os bebês têm atendimento integral e direito a uma série de exames. E a sociedade começa a entender que os portadores não merecem e não devem ficar confinados em guetos. Recentemente, uma mãe estava receosa de contar ao filho mais velho que o irmão nascera com Down, ao que a criança respondeu: "Tudo bem, mamãe, não tem problema. Na escola eu tenho um amiguinho assim também".





