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Última Análise

Policiamento cultural: quando a direita cai na armadilha da censura

O "Última Análise" desta sexta (22) começa com uma caricatura infelizmente real da guerra cultural brasileira: a do sujeito que patrulha ideológica e culturalmente o outro, à procura de pecados políticos e doutrinários. A apresentação é de Paulo Polzonoff Jr., que conversa com Francisco Escorsim.

Infelizmente, trata-se de um hábito cada vez mais comum nas redes sociais. Essa coisa de vigiar o que as pessoas leem, assistem ou ouvem e, a partir disso, julgar não apenas suas preferências, como também sua moralidade e até sua fé. É aquela cena absurda: o sujeito abre um livro de Gabriel García Márquez no ônibus e alguém já conclui: comunista, claro!.

O pior da esquerda

O programa é dividido em duas partes. Na primeira, a dupla aborda o policiamento cultural de cunho ideológico, especialmente dentro da própria direita. A pergunta é direta: será que, ao condenar músicas, livros e filmes por quem os produz e consome, a direita não está copiando o pior da esquerda? Afinal, quando tudo precisa passar por um teste ideológico, o que sobra da arte?

Na conversa, não faltam exemplos cotidianos: o rótulo de “petista” colado em quem ouve Chico Buarque ou Caetano Veloso, a desconfiança de quem lê Jorge Amado, a recusa automática de filmes estrangeiros que não se encaixam no manual da ortodoxia política. Mais do que casos engraçados, os apresentadores veem aí um sintoma preocupante: a insegurança intelectual de uma direita que, em vez de se fortalecer culturalmente, prefere blindar-se contra qualquer contato com o que considera perigosamente sedutor.

Farisaísmo

Na segunda parte, a conversa se volta para o policiamento cultural religioso, o farisaísmo. Aqui, a lógica é parecida, mas ganha contornos ainda mais delicados. Trata-se da desconfiança sistemática de obras que, mesmo sem má intenção, levantam dúvidas ou trazem ambiguidades. O fariseu não faz distinção entre a intenção do autor e a interpretação do público. Para ele, se uma obra pode ser mal interpretada, já está condenada..

O tom do programa, porém, não é de sermão, e sim de provocação. Com ironia e leveza, Paulo Polzonoff Jr. e Francisco Escorsim mostram como, tanto no campo político quanto no religioso, o policiamento cultural nasce do mesmo impulso: o medo. Medo da obra, medo da ideia, medo da liberdade. É uma visão cínica e sem caridade, que parte do pressuposto de que todo artista cria apenas para corromper, e que o público é incapaz de separar o joio do trigo.

Autocrítica

Para além da crítica, o "Última Análise" também é um convite à autocrítica. Quantos conservadores, sem perceber, já não caíram nessa armadilha de julgar o outro por causa de suas escolhas cultural? Quantas vezes não confundiram prudência com paranoia? Da autocrítica advém a liberdade de apreciar a arte sem medo, de ler sem interditos, de ouvir sem culpas.

Em tempos de trincheiras políticas, culturais e religiosas, o "Última Análise" lembra o essencial: a cultura não é um campo de batalha para saber quem está certo ou errado. A cultura é, antes de tudo, um espaço de liberdade.

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