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A agricultora aposentada Helena Baldan, de 77 anos, precisa exercitar muito as pernas para manter em dia as conversas com Deus. Todo sábado ela tem de caminhar três quilômetros do vilarejo onde mora até o templo da Assembléia de Deus em Tunas do Paraná, município de 5 mil habitantes a 90 quilômetros de Curitiba. Helena vive numa das 279 cidades do estado onde os meios de locomoção são limitados ou inexistentes. Sete em cada 10 municípios paranaenses não possuem qualquer tipo de transporte público coletivo, seja trem, van, barco ou ônibus. É o pior índice da Região Sul, se comparados aos números de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul.

Os cararinenses têm transporte coletivo em 35% de seus 293 municípios, e os gaúchos, em 39% dos seus 496. No cume da pirâmide, São Paulo possui 42% de suas 645 cidades com meios públicos de locomoção, enquanto na base estão estados como Rio Grande do Norte (2,4%) e Tocantins (3,66%), retraindo a média nacional para 25%. Os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelam quantos municípios do país estão a pé: 4.157 não têm ônibus, o principal meio de transporte dos brasileiros. A situação é pior nas cidades pequenas, com até cinco mil habitantes. É nesta estatística coberta pela poeira das estradas de chão que está dona Helena.

Não é só para rezar que ela tem de enfrentar os pedregulhos da estrada que une o vilarejo de umas 300 almas à sede do município de Tunas do Paraná. Volta e meia é preciso vender na cidade a produção de ovos da pequena propriedade. A pressão alta – agora controlada, "graças a Deus!" – fazia dona Helena cair com freqüência ao longo da caminhada. Ela nem sempre podia contar com a companhia do marido, o também aposentado João Machado, de 79 anos, e invariavelmente a cesta ia ao chão. Na maioria das vezes era perda total. O problema de saúde foi contornado, mas não o do transporte.

Tem dias que dona Helena se obriga a ir de táxi, mas só "quando sobra um dinheirinho". Acontece que o dinheiro é sempre contado. Uma corrida custa R$ 7 para ir e R$ 7 para voltar. O jeito, diz ela, é procurar o supermercado que faz entrega em casa. "Se não entregar eu não compro", avisa. O táxi, a propósito, é um bom negócio nestes confins do Paraná. São 11 carros, média de um para cada grupo de 450 habitantes – Curitiba tem um para cada 650 pessoas. César Miro Calixto, 55 anos, é um novato com apenas dois anos na praça, mas não tem do que reclamar – a não ser dos fiados. Seu Gol verde, ano 1999, pouco fica parado. Na falta de ônibus, o povo vai de táxi mesmo.

Vantagem

O trecho mais longo, e mais rentável, são os 20 quilômetros até a Colônia Marquês de Abrantes. Nenhum taxista sai do ponto por menos de R$ 50. Calixto diz que a estrada é muito ruim, estraga o carro. De fato, o Gol dele já está bastante surrado para a idade que tem. Mais cara ainda – uns R$ 70 – sai o percurso até o vilarejo de Anta Gorda. O trajeto é menor, mas a estrada... Outra corrida que taxista nenhum recusa tem o rumo da cidade vizinha de Bocaiúva do Sul. Rende R$ 50 por 40 quilômetros rodados. Ali fica a agência mais próxima do Banco do Brasil. Tunas só tem um posto bancário, do Bradesco, que funciona no prediozinho dos Correios.

O corre-corre de táxis acontece sempre na primeira semana de cada mês, quando o pagamento dos aposentados e dos trabalhadores das madeireiras movimenta a cidade. O problema vem nos dias seguintes, quando o dinheiro acaba. Aí, é só na base do fiado. Calixto toma nota dos devedores numa caderneta. A soma chega a R$ 800. Ele diz ter um amigo com R$ 2.500 a receber. "Tem de ser assim, é uma forma de ajudar quem não tem outro meio de se locomover", diz. Os motoristas de praça ficam em dois pontos às margens da BR-376, a única via mais ou menos movimentada por estes lados do Paraná.

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