
Enchente pelo menos 3 vezes por ano
As marcas da última enchente ainda estão no muro e pelo pátio da casa de Nadir Kresko e dos filhos Mateus e Leonardo (foto acima), em Almirante Tamandaré, na Grande Curitiba. Há duas semanas, a água chegou no assoalho de madeira, mas não entrou. O problema é que o piso já não aguenta mais tanta umidade e começou a apodrecer. "Na enchente de janeiro, a água entrou e estragou todo meu guarda-roupa. Tive de comprar um novo, mas as gavetas do novo não fecham porque o assoalho está cedendo", conta Nadir. Três vezes ao ano, pelo menos, a cobradora de ônibus, que mora às margens do Rio Barigui, se depara com a água dentro de casa ou até a porta da cozinha. "É muito triste. Quando chove forte, não dá para ter sossego." O rio já foi alargado, mas não resolveu muita coisa. Ela diz que sonha em comprar a casa própria, mas não consegue juntar os R$ 4 mil que precisa para dar entrada na documentação. "Esta casa é da empresa onde meu marido trabalha", diz. Na chuva que caiu no início deste mês, a água avançou pelo pátio e deixou o cão Lulu totalmente encoberto. "Tive de sair correndo para socorrê-lo."Cerca de 800 mil paranaenses vivem em favelas ou loteamentos irregulares. São residências precárias que, de alguma forma, não estão em condições ideais para habitação, seja em função da localização como na beira de rios, por exemplo ou por falta de documentação e regularização fundiária. O problema se concentra em grandes cidades, como Curitiba, com 61 mil domicílios nestas condições, e Londrina, com 14,3 mil. Os dados são do Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (Ipardes) e fazem parte do Plano Estadual de Habitação de Interesse Social.
Segundo o mapeamento, realizado em parceria com as prefeituras, o estado tem 2.043 assentamentos precários em 266 municípios, o que equivale a 205 mil domicílios. Ou seja, 66% das 399 cidades do Paraná têm alguma habitação irregular. O estudo aponta que 43% dessas moradias estão na margem de rios; 33% em áreas de proteção ambiental; 14% em encostas; e 14% à beira de rodovias e ferrovias.
Além de não ter habitações dignas, a população que vive em áreas precárias fica mais sujeita a desastres naturais. Entre 1980 e 2011, o Paraná registrou 4,5 mil ocorrências de calamidades, sendo que metade delas relacionada a chuvas, impactando diretamente quem vive nas margens de rios. E os municípios mais afetados são justamente os mais populosos e com maior número de habitações precárias.
A relação entre assentamentos precários e áreas de risco ocorre na maior parte das vezes porque estas habitações estão em locais disponíveis e desocupados, com baixo valor imobiliário. Urbanista e professor da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Carlos Hardt argumenta que é mais fácil controlar uma ocupação irregular no início, quando há menos famílias, mas o poder público não faz este controle.
Incapacidade
Para especialistas, o total de paranaenses vivendo em assentamentos precários levantado pelo estudo não chega a ser uma surpresa. Hardt explica que esse número decorre da incapacidade do Estado brasileiro de implementar uma política de habitação no país. "A solução é uma decisão política. É necessário prioridade e destinação dos recursos de forma competente."
Urbanista e professora da Universidade Federal do ABC, Rosana Denaldi afirma que os assentamentos precários estão relacionados com a forma como as cidades se desenvolveram no país. Há uma parcela da população que durante décadas não foi atendida nem pelo Estado, em função da falta de políticas públicas, nem pelo mercado, já que não tinha recursos para comprar imóveis. A única alternativa para moradia foi a ocupação de áreas irregulares. "O planejamento urbano não reservou áreas para a construção de habitações sociais. As cidades acabaram subordinadas à lógica do mercado imobiliário."
Para o urbanista Clóvis Ultramari, a solução passa pela reurbanização dos assentamentos. Ele lembra que apenas parte da população desassistida precisa ser realocada, já que muitos domicílios podem continuar no mesmo local desde que sejam urbanizados. Por isso, não seria necessária a construção de 800 mil novas moradias no estado.
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