
Não é por acaso que os primeiros imigrantes do Brasil foram os alemães, sem levar em conta, claro, os próprios portugueses. O povo germânico teve lá seus privilégios ao chegar em uma terra desconhecida porque a própria imperatriz do país, Leopoldina de Habsburgo, era de origem austro-húngara. Esposa do então imperador dom Pedro I, ela serviu como "garantia" para que o grupo de alemães que aqui chegava em 1829 não fosse escravizado. "O temor da escravidão era recorrente e ainda havia a questão da religião oficial: as pessoas (em especial os alemães protestantes) tinham medo de ir a um país católico e ter de seguir os preceitos que não faziam parte da cultura deles", explica o historiador da Universidade Federal do Paraná Denisson de Oliveira, autor do livro Os Soldados Alemães de Vargas.
No Paraná, a história da imigração se repete: os primeiros grupos de alemães que chegaram a Rio Negro, há 180 anos, eram da região de Trier, ou seja, pertenciam ao antigo império austro-húngaro, do qual a imperatriz também era descendente. Uma política adotada por Leopoldina influenciou a vinda de um grande número de alemães: ela queria criar colônias militares e agrícolas no Brasil com o povo que era da mesma origem dela.
A imigração alemã também foi favorecida por outra política adotada pelo império brasileiro, conforme lembra Denisson: "Havia uma restrição à vinda de determinadas etnias, como espanhóis, britânicos e franceses, que pertenciam a colônias ou impérios que eram concorrentes do Brasil e potencialmente fortes". Como a Alemanha só se constituiu como país em 1871 e, antes disso, não era vista como potencial inimiga, diversos alemães migraram para cá. Muitos vieram em busca de soluções para os problemas que começaram a enfrentar no país de origem: a falta de terras os obrigava a virar proletários, ou seja, funcionários de indústrias. E nem todos estavam dispostos a encarar esta mudança.
Quando chegaram ao Brasil, entretanto, a expectativa de continuar na agricultura e no comércio frustrou grande parte dos alemães, que se viu forçada a viver em regiões inóspitas do país para proteger as fronteiras e também para ajudar na valorização das terras. "O Brasil recrutou alemães para viverem como mercenários, mas por trás disso havia a promessa de novas terras. Ao chegarem aqui eles foram transformados em soldados e isso resultou em muitas rebeliões no Rio de Janeiro", diz Denisson.
Curitiba e Rio Negro
Muitos alemães que se estabeleceram em Rio Negro abandonaram rapidamente as atividades agrícolas para montar comércio nos núcleos urbanos, como Curitiba. O historiador lembra que os primeiros cartéis que existiram na capital paranaense foram formados pelos próprios alemães. "Eles começaram a manipular o preço do pão e da cerveja. A partir daí que começaram as histórias do sentimento antialemão", conta.
Os alemães também sofreram com a ditadura de Getúlio Vargas, que pretendia naturalizar todas as pessoas que viviam no Brasil. Quando chegaram aqui, eles tinham a convicção de que iriam continuar alemães mesmo vivendo fora do país de origem. Tanto que, durante o império, construíram escolas em que as aulas eram ministradas em alemão. Além de manter a língua, conseguiram conservar a fé e a descendência, pois viviam em locais distantes onde só era permitido o casamento entre alemães. "Para o império isso não era problema, mas quando veio a república, a questão da segurança nacional falou mais alto", afirma Denisson.
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Serviço
As histórias dos alemães no Paraná podem ser lidas em dois livros lançados recentemente sobre o assunto:
175 anos da Imigração Alemã para Rio Negro: os Pioneiros no Paraná, de Divinamir de Oliveira Pinto, Maria da Glória Foohs e Marli Uhlmann Portes
Altdeutschen: a História que não foi Contada, de Zélia Maria Nascimento Sell



