
Oficialmente, a cidade de Machu Picchu foi descoberta em 24 de julho de 1911 e completa seu centenário neste ano. É atribuído ao norte-americano Hiram Bingham o descobrimento da cidade que, dizem, estava perdida. Na verdade, a data é mais uma formalidade de que naquele ano alguém registrou, cientificamente, a existência de um lugar inca e divulgou a informação ao mundo. Foi pelas mãos de Bingham que o sítio arqueológico ganhou importância e passou por uma limpeza, já que estava encoberto pela vegetação, e despertou o interesse de turistas hoje, cerca de 1,5 milhão de pessoas visitam o local todos os anos.A descoberta, porém, não quer dizer que Machu Picchu estava escondida e que os peruanos que lá viviam não sabiam da existência da cidade. Pelo contrário. Muito próximo de Machu Picchu, antes de 1911, havia duas famílias campesinas que moravam na região, conheciam as ruínas e, inclusive, ajudaram Bingham a chegar lá. "É um erro dizer que o norte-americano descobriu Machu Picchu sozinho. É o primeiro que publicou cientificamente a existência do lugar, começou as escavações e difundiu o espaço em nível internacional. Mas certamente sua vida mudou porque ele cobrou a fama e glória que buscava. Bingham dizia que estava à procura de uma cidade perdida", explica a cientista social peruana Dora Chávez Orrillo. Os peruanos conheciam as ruínas, mas não sabiam que o lugar era importante do ponto de vista do patrimônio histórico.
Dora lembra que a primeira expedição de Bingham, porém, foi em 1909, nas ruínas de Choquequirao. "Bingham sabia que o primeiro turista do lugar havia sido um francês [Eugène de Sartiges] e não ele", afirma Dora. O norte-americano considerou Choquequirao uma fortaleza, mas hoje, para os peruanos, trata-se de um santuário que, junto com Machu Picchu e Espíritu Pampa, forma o triângulo das cidades-irmãs sítios arqueológicos que pertencem a Cuzco.
O historiador da Universidade de São Paulo (USP) Eduardo Natalino dos Santos, do Centro de Estudos Mesoamericanos e Andinos, lembra que no início do século 20 houve a profissionalização da arqueologia Bingham então passou a fazer um roteiro de estudos e levou os créditos pela "descoberta". "Ele alimenta a memória nacional do Peru, que é algo relevante. Mas é preciso acabar com a ideia de descobrimento, porque não foi bem isso", afirma.
No início do século 20, sistematicamente milhares de ruínas foram estudadas (não só no Peru, mas também no México e na Guatemala) e as pessoas que participaram das pesquisas, segundo Santos, acabaram se intitulando descobridores. "Eles chegaram às ruínas com a ajuda da população local que, infelizmente, até hoje permanece anônima."
O diretor nacional do Santuário Histórico de Machu Picchu, Luis Guillermo Lumbreras Salcedo, lembra que foi um menino de 10 anos, da família campesina Alvarez, que conduziu Bingham, em 1911, pelas trilhas incas até a cidade histórica. "E desde que o local foi revelado ao mundo, sabíamos que era da época inca. Nunca houve dúvidas sobre isso", diz.
Mistérios
Os peruanos acreditam que Machu Picchu é um santuário, mas os pesquisadores avaliam que são necessárias mais escavações para comprovar o que havia no local. Pode ter sido um santuário, mas também pode ter sido um centro administrativo ou um lugar residencial. "Os colonizadores espanhóis não tiveram acesso a Machu Picchu. Por isso não sabemos responder, até hoje, o que dizimou os incas, se foi a fome, a rivalidade entre as tribos ou um outro fator", diz Santos. Os incas resistiram até cerca de 1571, 40 anos depois da invasão espanhola. Um dos candidatos a se tornar chefe da nação, Atahualpa, foi executado pelo espanhol Francisco Pizarro, mesmo depois de ter deixado com ele boa parte do ouro inca.
Acordo
Peru receberá objetos roubados
O norte-americano Hiram Bingham levou consigo boa parte dos objetos que encontrou em Machu Picchu durante suas expedições em 1911. Eles foram guardados na Universidade de Yale, nos Estados Unidos, e somente neste ano, com o centenário de "descoberta" do sítio arqueológico, os objetos serão devolvidos. Uma parte deles as peças inteiras já está em Cuzco e será exposta em um museu. As outras peças devem chegar até o dia do descobrimento, 24 de julho.
Antes de Bingham chegar a Machu Picchu, muitas outras pessoas passaram pelo local ainda durante o período colonial e, inclusive, fizeram saques. Elegantes e poderosos, os incas eram transportados em uma espécie de cadeira forrada de ouro, principalmente durante as cerimônias. Como usavam muitos metais preciosos, as ruínas incas chamaram a atenção de saqueadores. Não há comprovação, mas alguns pesquisadores dizem que o alemão Augusto Berns teria chegado a Machu Picchu 44 anos do norte-americano Bingham, também com a ajuda de campesinos, e teria furtado muito ouro.
Contribuição
Os incas são conhecidos por terem conseguido aliar a arquitetura à natureza, com terraços agrícolas que funcionavam muito bem nos andes. Também adotaram a técnica do "quipu", um fio cheio de outros fios com nós que eram usados na contabilidade da tribo: registravam o número da pessoas, de lhamas e de alimentos, e também serviam para informar os chefes.



