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Excluídos e invisíveis

A difícil decisão de viver nas ruas

Pesquisa revela que conflitos familiares, desemprego e fracasso escolar estão entre as causas que levam as pessoas a morar ao relento

O morador de rua Eronil Guedes e a companheira Sirlene Silva: aluguel de uma casa na Vila das Torres é esperança de vida melhor | Daniel Castellano / Gazeta do Povo
O morador de rua Eronil Guedes e a companheira Sirlene Silva: aluguel de uma casa na Vila das Torres é esperança de vida melhor (Foto: Daniel Castellano / Gazeta do Povo)

Acostumados aos olhares indiferentes dos que passam, eles carregam histórias tristes e conflituosas que dificilmente ganham voz no meio da multidão. São pessoas que por diversos motivos deixaram seus lares para tentar a sorte na rua e agora buscam no álcool e nas drogas uma forma de anestesiar a amargura, o frio e a falta de esperança.

Mas o que leva alguém a decidir viver ao relento, sem endereço fixo? Um estudo inédito coordenado pelo doutor em Sociologia Lindomar Boneti, da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), revela que são três as principais causas: conflitos familiares, desemprego e fracasso escolar. "Geralmente as causas estão dentro do seio familiar. Existe algo que motiva essa pessoa a ir para a rua", diz.

A pesquisa ouviu até o momento 300 moradores de rua da capital paranaense. Segundo estatísticas preliminares do Movimento Nacional de População de Rua, aproximadamente 10 mil pessoas residem nas ruas no Paraná – metade em Curitiba. No país, são quase 2 milhões.

O professor diz que as causas geralmente estão interligadas. "Um exemplo: o pai perde o emprego, começa a beber e a bater nos filhos. O que acontece é os filhos irem para as ruas por não suportarem mais viver na família", explica Boneti.

Associado aos fatores elencados pelo pesquisador do Paraná, a socióloga da Univesidade de Brasília (UnB) Maria Lúcia Lopes da Silva, que também pesquisa os moradores de rua, cita o problema de falta de moradia. "Não ter uma casa própria ou dinheiro para pagar um aluguel também é um ponto que deve ser levado em consideração. É o problema da falta de renda, de um modo geral, que leva a isso", acrescenta.

O senso comum aponta as drogas como um fator preponderante para que parte da população decida viver na rua, mas os especialistas afirmam que o vício é consequên­­­cia e não causa. "As drogas são uma estratégia de sobrevivência de quem está na rua. Aparecem, geralmente, depois que eles vão para a rua. É uma forma de tentar fugir da realidade em que vivem", afirma Maria Lúcia.

Políticas públicas

Em 2009, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou um decreto que criou a Política Nacional para População de Rua. Uma das metas era implantar centros nacionais de referência em direitos humanos para cuidar dos moradores de rua. Além disso, deveriam ser desenvolvidas ações nas áreas de educação, saúde, moradia e qualificação profissional. "No entanto, o decreto não saiu do papel. O que vemos ainda são pequenas ações de assistencialismo. Deveria ter um investimento conjugado entre os governos federal, estadual e municipal", critica Maria Lúcia.

Boneti acredita que apenas políticas assistencialistas não resolverão os problemas dos moradores de rua. "Somos carentes de uma política pública que possa dar emprego a essas pessoas, com moradia e estudo. Não há planos de reinserção social dessas pessoas".

O coordenador do Movimento Nacional de População de Rua, Leonildo Monteiro, lamenta a falta de diretrizes políticas. "Esse povo vive na extrema miséria e o decreto que já existe ainda não aconteceu. Temos que lutar para isso chegar à vida dessa população", enfatiza.

FAS tem 2 mil pedidos de resgate por mês

A Fundação de Ação Social (FAS) de Curitiba recebe em média 2 mil pedidos de resgate de moradores de rua por mês via telefone 156. De janeiro até abril deste ano, 1,4 mil pessoas nessa situação foram identificadas. Em todo o ano passado, foram 3,6 mil. Segundo a coordenadora do Resgate Social da entidade, Luciana Kusman, 95% das ocorrências envolvem adultos e os outros 5% crianças.

Assistentes sociais da FAS fazem um trabalho de abordagem dessa população, oferecendo abrigo no albergue, alimentação e higiene. Ela conta que a maior parte dos atendimentos acontece na região central. "Mas tem muitas pessoas que não são atendidas porque estão em bairros", afirma, lembrando que o trabalho depende das denúncias da população.

O albergue da FAS tem capacidade para até 350 pessoas e elas podem ficar lá o tempo que for necessário – desde que respeitem horários de alimentação e não usem bebidas alcoólicas e drogas. "A gente tenta fazer o trabalho de reinserção à família e o encaminhamos para desintoxicação. Também há programas socioeducativos." Luciana diz que muitos moradores de rua são usuários de drogas ou têm problemas psiquiátricos. "Aproximadamente 80% usam drogas", diz, citando casos de ex-universitários e bacharéis que vão parar nas ruas por causa do vício.

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