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Sistema viário

A difícil travessia da Linha Verde

Criada para unir os dois lados da cidade, nova avenida ainda é um obstáculo para os pedestres

Faixa de pedestres na Linha Verde: distância entre cruzamentos complica a vida de quem anda a pé | Hedeson Alves/Gazeta do Povo
Faixa de pedestres na Linha Verde: distância entre cruzamentos complica a vida de quem anda a pé (Foto: Hedeson Alves/Gazeta do Povo)

Seis meses depois da inauguração, o primeiro trecho da Linha Verde ainda não deu mostras de que o projeto número um da administração Beto Richa cumprirá seu principal objetivo: unir os dois lados da cidade, historicamente divididos por uma rodovia. Mesmo sem todos os empreendimentos e a ocupação previstos, um problema já incomoda quem mora ou trabalha na região: a dificuldade para atravessar a via. Dependendo do ponto, os pedestres precisam andar até um quilômetro para cruzar a pista em locais seguros. Outra alternativa é esperar que os veículos deem uma "folga" e atravessar longe dos semáforos – o que não é indicado sob o ponto de vista da segurança.

O problema é a falta de semáforos ou passarelas em determinados pontos. Há dois trechos de aproximadamente dois quilômetros sem sinaleiros, um entre o início da Linha Verde e a estação Vila São Pedro e outro entre as estações Xaxim e Santa Bernadethe. Em outros pontos, há "vazios" de até 1,5 quilômetro sem possibilidade de travessia. Segundo técnicos do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (Ippuc), existe a possibilidade de novos semáforos serem instalados no futuro, dependendo da necessidade e da ocupação da região (veja ao lado).

A reportagem esteve três vezes na Linha Verde nesta semana e constatou que a maioria das pessoas não anda até os cruzamentos para atravessar a via. Foi o caso do vigia Deivid Francisco de Souza, de 22 anos, e do jardineiro José Maurício da Silva, 36, flagrados ao cruzar as pistas entre as estações Santa Bernadethe e Vila Fanny. "Se quiser atravessar com segurança tem que andar muito", afirma José Maurício. "Só se andar até o sinaleiro, mas nem sempre dá pra fazer isso. Se colocassem uma passarela ia ser melhor pra gente", comenta Deivid.

A cozinheira Cristina da Silva, de 60 anos, e a auxiliar de cozinha Paula Guimarães, 25, moram na Vila Hauer e enfrentam uma dificuldade diária para atravessar a via na altura da Estação Vila Fanny – apesar de utilizarem a faixa de segurança. "Antes era até mais calmo, não tinha tanto ônibus", diz Paula, que se queixa da impossibilidade de atravessar a via de uma só vez. "Quando o sinal abre a gente atravessa, mas quando chega na metade o sinal já fechou. E de manhã é pior, tenho que atravessar todo dia às 7h30, para levar os filhos para a escola." Para Cristina, o ideal seria a instalação de passarelas. "[A Linha Verde] funciona, mas para quem está de carro. Para quem está a pé ficou bem difícil."

Projeto

Para o engenheiro civil Eduardo Ratton, professor do Departamento de Transportes da Universidade Federal do Paraná (UFPR), a origem do problema está no projeto inicial para transformar a antiga rodovia, iniciado durante a gestão do ex-prefeito Cassio Taniguchi (1997-2004). O projeto foi abandonado na época e retomado no primeiro mandato do prefeito Beto Richa. "Havia uma série de discussões", lembra. "O objetivo principal era dar agilidade ao transporte coletivo, porque era um financiamento externo para a rede integrada da região metropolitana. Na época verificou-se irregularidades no projeto. Os sinaleiros eram a primeira coisa condenável, deveria haver viadutos e trincheiras."

Ratton avalia que, em uma obra do porte da Linha Verde, não podem ser poupados recursos que garantam a segurança. "Na época já se questionava uma estação a cada quilômetro, a pessoa teria que andar 500 metros para um lado ou para o outro", comenta. "É claro que as pessoas vão acabar não indo até o próximo sinaleiro, vão tentar atravessar no meio. É um erro de concepção. A coisa infelizmente passa por um investimento maior, mas estão insistindo nos sinaleiros, que já não são compatíveis com o trânsito conturbado da cidade. Hoje as pessoas levam 10, às vezes 15 minutos para atravessar a rua. Tem de ir lá e perguntar para os usuários, não basta fazer desenho."

O arquiteto Fábio Duarte, professor do mestrado em Gestão Urbana da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), avalia que o objetivo da Linha Verde era transformar a rodovia em uma via urbana, mas que o projeto viário a trata como uma autoestrada. "Se é para fazer uma via urbana, que vai ter edifícios altos, com travessias constantes, algumas coisas do cotidiano da Linha Verde não foram previstas no projeto viário", afirma. "Uma solução vai ser a instalação de plataformas ou uma reforma total para as travessias em nível."

Para Duarte, uma das saídas seria a instalação de semáforos inteligentes para os pedestres. "O mais recomendado é diminuir as distâncias entre as travessias", diz. "O argumento contrário é que vai diminuir a velocidade do tráfego na via, mas hoje há poucas travessias, porque não há nenhum prédio habitacional." Apesar dos problemas, o arquiteto considera que, com as mudanças previstas pela alteração no zoneamento, a Linha Verde possa unir os dois lados da cidade. "Ainda vai demandar um tempo, até o zoneamento começar a surtir efeito, até surgirem os prédios residenciais e comerciais."

A travessia de pedestres é um dos temas que será avaliado na próxima edição do Fórum Linha Verde, em agosto, evento organizado pela Associação Brasileira dos Escritórios de Arquitetura para discutir a paisagem que a antiga BR terá no futuro. "Nos polos [áreas próximas às estações] seria fundamental que se criasse algum tipo de sistema", diz o arquiteto Orlando Ribero, organizador do fórum. Defensor dos semáforos inteligentes, quando houver "demanda que justifique isso", ele considera as passarelas inviáveis. "Há um problema de acessibilidade. Como passa ônibus e caminhão por ali, a passarela teria de ter 7 ou 8 metros de altura. Com isso, a rampa não teria menos de 80 metros. Começa a ter uma extensão muito grande."

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