
A família não vai bem e os pais não conseguem mais conter os filhos. A solução é procurar a Justiça. Com esse objetivo, muita gente está trocando a rotina de lavar a "roupa suja em casa" pelas salas de audiências, levando histórias inusitadas para a análise do Poder Judiciário. Os casos mais comuns são de pedidos de internamento de dependentes químicos usuários de drogas que não aceitam ajuda para superar o vício.
Não há estatísticas precisas sobre ações de conflitos domésticos, mas as quatro varas de família de Curitiba têm, juntas, cerca de 36 mil processos em trâmite. Só o Juizado Especial de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher tem 9.552 procedimentos (ações, inquéritos e medidas protetivas) em andamento. Já os nove conselhos tutelares da capital abriram 2.018 casos nos primeiros seis meses do ano passado, a maioria por brigas, abusos e controvérsias familiares. Uma parte foi para a Vara da Infância e da Juventude.
Com a chegada dos conflitos domésticos à Justiça, o magistrado que antes só julgava as tradicionais ações de família (separação, divórcio, pedido de alimentos, guarda e outras); agressões de maridos e negligência dos pais , agora é um mediador de brigas entre pais e filhos e recebe ainda pedidos de indenização por abandono afetivo.
O leque de novas ações inclui outras situações, como pai que não consegue mais controlar o horário do filho, pedido de "devolução" de crianças adotadas, abusos sexuais cometidos dentro de casa, conflitos de pais com filhos homossexuais e histórias de dependentes químicos que estão acabando com a vida da família.
Roberto (nome fictício), 30 anos, usuário de crack, não imagina que a sua mãe aguarda ansiosa por uma decisão para conseguir a sua interdição judicial (perda da capacidade civil temporária) e o seu internamento num hospital especializado.
"Até os 21 anos, ele era um jovem saudável, responsável e excelente profissional. Hoje, aos 30 anos, após várias tentativas e recaídas para sair do vício, meu filho alega que não precisa de ajuda clínica. Ele diz que tem capacidade para sair das drogas sozinho", conta a mãe.
Segundo Maria (nome fictício), 55 anos, a família tentou por 10 anos ajudá-lo, mas a situação se tornou insuportável nos últimos anos. Para se ter ideia do drama, ela optou por deixar a casa em que viveu cerca de 18 anos, levando junto o restante da família. Roberto está sozinho há três anos, vivendo isolado, como um eremita. Os pais moram de aluguel, prontos para mudar a cada vez que o filho descobre o novo endereço.
Agora, a mãe terá de trocar o local de trabalho endereço de 15 anos por causa das visitas inesperadas para pedir dinheiro para comprar droga. "Nunca vou abandoná-lo. Eu mando alimentos e produtos de higiene e limpeza toda a semana. Só não posso aparecer, nem dar o endereço por causa dos surtos psicóticos e da agressividade dele. Tudo isso por causa das drogas." A mãe tem medo do que ele possa fazer com a família e do seu destino no mundo das drogas. "A minha última esperança é interná-lo. Tenho fé na sua recuperação", afirma.
Incompetência confessa
Segundo especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo, o ideal é a família sempre tentar resolver os problemas domésticos. Para a psicóloga Lídia Weber, professora e pesquisadora da Universidade Federal do Paraná (UFPR), "colocar a Justiça em questões triviais é confessar a incompetência da parentalidade. É claro que pode haver exceções e casos em que deve haver mesmo a entrega da situação à Justiça" (leia entrevista na página seguinte).
Dentre as histórias cabeludas que vão para o Poder Judiciário, numa delas um filho busca indenização de cerca de R$ 400 mil do pai, porque nunca recebeu amor e afeto. De acordo com a juíza Joeci Machado Camargo, diretora do Fórum das Varas de Família de Curitiba, a situação pede que a família seja avaliada como um todo, o motivo do abandono e como ele aconteceu.
Joeci faz um trocadilho com as ações de indenizações movidas por ex-mulheres pelo fim do casamento. "Não existe o código do amor. Ninguém é obrigado a amar ou a não amar." Já o abandonado paterno, ela chama de "filhos do fico" (ficar). "Surge a gravidez, e a mãe e os avós assumem a responsabilidade sobre a criança. Muitas vezes o pai só garante a subsistência do filho, mas não vai dar amor e afeto", explica.
São histórias que a psicóloga Berenice Morosowiski, especialista em psicologia jurídica e fiel escudeira da juíza Joeci, conhece bem. "As questões nas Varas de Família são de tal forma traumáticas que todos os processos trazem algo de inusitado, mesmo nas questões que podem parecer elementar, como uma definição de visitas, isto porque na realidade os sintomas dos conflitos surgem de forma exacerbada na comunicação processual."



