
A pesca de um mísero crustáceo provocou uma das maiores crises diplomáticas da história entre Brasil e França. As duas nações, por pouco, não iniciaram um confronto militar. Navios franceses foram perseguidos pela frota brasileira e embarcações da nação europeia chegaram a ser apreendidas no litoral do Nordeste brasileiro. O imbróglio conhecido como Guerra da Lagosta começou nos primeiros anos da década de 1960. No decorrer da confusão, até o cantor Moreira da Silva comprou a briga e chegou a compor "A Lagosta é Nossa", ecoando que o "litoral não é casa de mãe Joana".
Nessa época, o Brasil começava a se interessar pela pesca do crustáceo, mas ainda de uma maneira mais artesanal. "A exploração da lagosta começou a crescer, mas apenas com alguns jangadeiros", explica o pesquisador Tiago Zanella, especialista em questões marinhas. Os primeiros barcos franceses chegaram ao litoral de Pernambuco em março de 1961, com autorização para realizar "pesquisas". Porém, o governo constatou que, na verdade, eles estavam pescando lagostas em grande escala. A licença foi cancelada.
Em novembro, a França solicitou autorização para atuar fora das águas territoriais brasileiras, na região da plataforma continental. No entanto, o país não cumpriu a palavra, fazendo com que os problemas aumentassem. Zanella relata que a primeira apreensão de um pesqueiro francês aconteceu em 1962. "A Marinha intensificou as operações e começou a apreender mais navios com lagostas brasileiras."
Peixes e cangurus
As apreensões elevaram o tom de debate entre as nações. Por lei, qualquer animal da plataforma continental pertencia ao país costeiro. Assim, o Brasil alegou que a lagosta era um recurso pertencente à plataforma devido à sua natureza sedentária. Para se deslocar, o animal não anda. No máximo, executa saltos. Em resposta, o governo francês, presidido por Charles de Gaulle, argumentou que a lagosta pode ser considerada um peixe. Afinal, movia-se constantemente e, portanto, não era um recurso da plataforma. O objetivo era deslocar o assunto para o campo da pesca em alto-mar, permitida por lei.
Foi nesse contexto que o comandante Paulo de Castro Moreira da Silva, renomado oceanógrafo, defendeu o Brasil com a pérola: "Por analogia, se a lagosta é um peixe porque se desloca dando saltos, então o canguru é uma ave". Em 1963, o circo pegou fogo.
O presidente João Goulart, quebrando as negociações para evitar a exploração do crustáceo, concedeu autorização para que seis pesqueiros voltassem a capturar lagostas na região. "A população se revoltou. Tanto que a autorização foi suspensa", diz Zanella.
Foi a vez do presidente de Gaulle se revoltar e soltar a máxima "o Brasil não é um país sério". Navios franceses foram enviados ao litoral brasileiro prontos para a guerra. Tropas brasileiras se armaram para o confronto. Porém, apesar de diversas ameaças de um conflito bélico, a França recuou e o Brasil conseguiu impedir a captura de lagostas em março de 1963.



