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A visita do Papa Bento XVI ao Brasil trouxe de volta à grande mídia o tema da Teologia da Libertação. Não era para menos: foi o próprio Joseph Ratzinger que, como responsável da Congregação para a Doutrina da Fé, elaborou as instruções Libertatis Nuntius (O Anúncio da Liberdade), em 1984, e, dois anos depois, Libertatis Conscientia (A Consciência da Liberdade), ambas sobre essa corrente teológica. Nelas, aprovava o esforço para dar uma resposta cristã à miséria no terceiro mundo; mas também advertia sobre "certos desvios ideológicos" que, ao final, levariam "a trair a causa dos pobres". Que desvios eram esses?

É bem sabido que, naquele tempo, o marxismo se autoproclamava a única visão "científica" da realidade. Muitos teólogos creram nisso e passaram a aplicar ao drama latino-americano os dogmas de Marx, sem notar que eram abrangentes demais para constituir uma simples mediação. A práxis revolucionária se tornava o critério de verdade: só os "engajados" podiam entender o Evangelho. Tudo os levava a concluir que a escravidão do povo era o capitalismo, e a libertação, a luta pelo socialismo. A Santa Sé interveio, esclarecendo que o marxismo é uma ideologia atéia e materialista, a escravidão fundamental do homem é o pecado, e a verdadeira libertação é a graça de Deus em Jesus Cristo, com todas as conseqüências políticas, econômicas e sociais. A graça, não as metralhadoras.

Em teologia, ignorar a graça é ignorar Cristo como salvador. No caso da Teologia da Libertação, as "massas revolucionárias" protagonizavam a salvação do homem pelo homem. Os reducionismos dessa visão eram inevitáveis: o cristianismo ficava reduzido a um moralismo; a práxis cristã, à luta política; Jesus, a um Che Guevara do seu tempo (expressão de J. Sobrino); a Igreja, a uma instituição social, necessitada de uma refundação nos moldes das CEBs (comunidades eclesiais de base), para se tornar um laboratório ideológico monitorado por intelectuais; os "pobres" da Bíblia, a uma categoria sociológica, e assim por diante. O povo, nosso povão – muito diferente das "massas" da retórica marxista – sintetizava assim tais reducionismos: "Esse padre só fala de política".

Como o Papa comentou durante o vôo ao Brasil, o fim do comunismo mudou a Teologia da Libertação. A dialética dos "oprimidos" foi trocada pela dos "excluídos"; o problema já não é o capitalismo, mas a privação de suas benesses. A Teologia da Libertação se resolve numa "teologia da inclusão" e corre em paralelo com a "teologia da prosperidade" pentecostal. Alguns teólogos abandonaram esta corrente, como Leonardo Boff. Outros tiveram a coragem da autocrítica, como G. Gutiérrez, um dos fundadores, e o nosso Clodovis Boff. Os restantes continuam atados a uma opção preferencial pela esquerda, cuja crise os leva aos mesmos impasses: fragmentação do discurso nas chamadas "teologias do genitivo" (da mulher, do índio, do negro, do gênero, da ecologia...), incapacidade de se posicionar frente ao aborto, considerado uma bandeira "de direita", além do mal-curado ressentimento com o Magistério da Igreja ("Roma não nos entende"). Enquanto isso, a miséria e a injustiça da América Latina continuam gritando, como aquele coxo que mendigava junto às portas de Jerusalém (At 3, 1-7). A Igreja, com seus teólogos, pastores e fiéis, é chamada a responder como Pedro, naquela ocasião: "Ouro e prata não tenho, mas o que tenho, te dou: em nome de Jesus Cristo Nazareno, levanta-te e anda!"

Padre Celso Nogueira é mestre em Teologia e graduado em Comunicação Social.

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