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Com renda mensal de R$ 250, conseguida com a venda de artesanato, a família de Júlia Bandeira vive na pobreza e não recebe o Bolsa Família | Ivonaldo Alexandre/Gazeta do Povo
Com renda mensal de R$ 250, conseguida com a venda de artesanato, a família de Júlia Bandeira vive na pobreza e não recebe o Bolsa Família| Foto: Ivonaldo Alexandre/Gazeta do Povo

Erradicação para 2014 será difícil

Projeções do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostram que entre 2009 e 2016, dois anos além dos previstos por Dilma, o Brasil precisaria ter um decréscimo anual de 1,6% para erradicar a miséria, levando-se em conta um porcentual de miseráveis de 10,5%.

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Governo prega trabalho mais articulado

O secretário executivo do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), Rômulo Paes, afirma que nas últimas décadas o país conseguiu ampliar as políticas para a população de baixa renda, mas reconhece que agora o desafio é trabalhar com uma abordagem mais articulada.

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Dependência é criticada

Para o sociólogo e professor da Universidade de Brasília Marcel Bursztyn, se o critério de miséria for apenas estatístico, é possível erradicá-la, mas para ele o conceito está relacionado à impossibilidade de se viver com dignidade. "Para isso, é preciso não depender da renda do Bolsa Família." O sociólogo critica a ação por criar uma ideia do governo como grande prestador de favores, o que gera legitimidade e fidelidade política. "Na região do semiárido há cidades onde 90% da população recebe o beneficio. São locais onde Dilma teve muitos votos, não é casual."

O economista José Guilherme Silva Vieira vê malefícios em algumas políticas sociais. Para ele, ações desse gênero podem desestimular a livre iniciativa se o cidadão acreditar que o Estado tem responsabilidade de resolver todos os problemas das classes menos favorecidas. "As pessoas não buscam alternativas. Acaba sendo uma atitude paternalista."

Principal compromisso de posse da presidente Dilma Rousseff, a erradicação da miséria está sujeita a ficar no papel. Nos 100 primeiros dias de governo, não há nada novo que fuja da cartilha do antigo governo. A única ação concreta no primeiro trimestre deste ano foi o reajuste médio de 19% do Bolsa Família. Segundo especialistas, o novo governo precisa ficar atento para evitar que a miséria seja eliminada somente nas estatísticas, mas não na vida real, já que erradicar a pobreza extrema é muito mais do que somente transferir renda. O grande desafio neste setor é criar um ciclo de desenvolvimento que inclua todos os cidadãos.

Dilma chegou a anunciar no final do mês passado que a erradicação da miséria é uma tarefa difícil, já que o problema atinge pelo menos 13,5 milhões de brasileiros e brasileiras. No início do mandato, ela solicitou a vários ministros que elaborassem um plano de combate à miséria, mas os primeiros estudos devem ficar prontos somente em maio. O atual governo precisa fugir da armadilha estatística de somente tirar as pessoas da linha da miséria com a transferência de renda e encontrar setores chaves onde o Estado pode efetivamente agir e proporcionar a igualdade social.

O temor de Dilma em relação à erradicação da miséria é correto. Apesar de ter sido um jargão comum nas últimas eleições, o objetivo não é fácil. Envolve a criação de infraestrutura básica – como saneamento e habitação –, investimento pesado em educação de base, profissionalizante e superior e geração de empregos formais.

Bolsa Família

De 2003 para cá, 20 milhões de pessoas deixaram a pobreza. Apesar de a política social no governo Lula ter tido resultados concretos, especialistas afirmam que é importante lembrar que o Bolsa Família não deve ser parte de um conjunto de ações. Ano passado, o programa beneficiou cerca de 13 milhões de famílias, quase um quarto da população.

Mesmo com essas boas marcas, o benefício tem dificuldade para chegar às pessoas mais pobres. Estima-se que 226 mil famílias têm direito ao benefício, mas ainda não sejam contempladas. Francisco Menezes, diretor do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), instituição criada pelo sociólogo Betinho, diz que é mais difícil erradicar a miséria do que a pobreza, porque os cidadãos que estão naquela situação acabam sendo invisíveis para as políticas públicas. "Combater a miséria é uma iniciativa corajosa."

Menezes lembra que as pessoas que deixarem a miséria não irão para a classe média e ainda continuarão vivendo na pobreza. "Infelizmente, não há uma mudança desta apenas em uma geração. É preciso que as crianças se tornem adultos e tenham condições de ascender socialmente."

Desenvolvimento

Na opinião do consultor das Nações Unidas e professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP) Ladislau Dowbor, além de aprofundar as políticas já existentes, é vital continuar a elevar o salário mínimo para desenvolver o consumo na base da sociedade. Focar no desenvolvimento dos municípios é outro grande desafio. "Temos um modelo em que as grandes cidades e infraestruturas são atlânticas. O Estado no Brasil não tem tradição de agir nas áreas mais pobres."

Dowbor afirma que é preciso gerar um ciclo de desenvolvimento inclusivo e para isso é preciso unir Estado, sociedade civil, organizações não-governamentais e o meio empresarial.

Sem grandes reformas, não será possível erradicar a miséria. O poder público deve promover mudanças na área tributária, agrária e urbana. Hoje, por exemplo, o modelo de tributação é regressivo e pesa mais para os mais pobres. Para a assistente social e professora da Pontifícia Universidade Católica do Paraná Jucimeri Isolda Silveira, a primeira ação para combater a miséria é reconhecer que ela foi determinada historicamente pelo modelo de desenvolvimento do país. "Não se resolve um problema estruturante sem propostas para reformar a sociedade."

O cumprimento da promessa de erradicar a miséria até 2014 é algo que deixa especialistas em dúvida. Para Dowbor, depende do que se considera miséria. "Muita gente saiu da miséria e já chamam de classe média", comenta. Menezes, do Ibase, argumenta que de forma massiva a política pública pode ter êxito, mas ainda haverá casos com fatores muito específicos que serão difíceis de combater.

Vida de pobreza que perdura

Enquanto políticos e especialistas decidem qual o limite para a miséria, na vida real essa linha tênue não faz diferença para quem vive na pobreza extrema. De uma etnia indígena, Júlia Bandeira, 34 anos, sobrevive com apenas R$ 250 mensais, ganhos com a venda de artesanato. Ela vive com o marido, que trabalha com agricultura de subsistência, e mais cinco filhos. A precária alimentação vem da roça. O parco dinheiro é destinado à compra de vestimentas para os filhos. A cada dois meses ela e os filhos menores vêm para Curitiba vender artesanato e ficam à deriva na cidade grande. Para eles, o Bolsa Família não existe.

Já o catador de material reciclável Márcio Lima Gomes, 33 anos, quase não entraria nas estatísticas do governo federal porque a renda familiar é de R$ 125 por pessoa. Ele, a esposa e dois filhos vieram para Curitiba há três anos porque a filha de 12 anos faz tratamento para o câncer na capital. Morando no Parolin, a única alternativa foi a informalidade.

Apesar da diferença de renda entre as duas famílias, tanto Júlia quanto Márcio não têm condições de viver de forma digna. Os dois sobrevivem, não vivem. A história de vida deles mostra a maior dificuldade de se reverter o estado de miséria, porque a pobreza extrema é endêmica e perdura.

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