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Curitiba

A peregrinação pela saúde

A cada ano, 54 mil pessoas vêm à capital em busca de tratamento médico. Fluxo pressiona o sistema e representa 35% dos internamentos

Pelas casas de apoio, existem vários cantos dedicados à oração. À direita, os irmãos Jorge Corrêa da Silva e Maria Donizeti Corrêa, de Assis Chateubriand. Vêm a Curitiba para que ela faça tratamento cardíaco e pulmonar. Há nove anos, fazem a romaria à capital para cuidar da saúde | Fotos: Daniel Castellano/ Gazeta do Povo
Pelas casas de apoio, existem vários cantos dedicados à oração. À direita, os irmãos Jorge Corrêa da Silva e Maria Donizeti Corrêa, de Assis Chateubriand. Vêm a Curitiba para que ela faça tratamento cardíaco e pulmonar. Há nove anos, fazem a romaria à capital para cuidar da saúde (Foto: Fotos: Daniel Castellano/ Gazeta do Povo)
A cantora de música gauchesca Flora Crozzer, de 61 anos, luta contra um câncer no esôfago. Moradora de Palmas, ela faz tratamento no Hospital Erasto Gaertner, em Curitiba. Por três anos, apoiou o marido, que também tinha câncer. Assim que ele se curou, ela desenvolveu a doença |

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A cantora de música gauchesca Flora Crozzer, de 61 anos, luta contra um câncer no esôfago. Moradora de Palmas, ela faz tratamento no Hospital Erasto Gaertner, em Curitiba. Por três anos, apoiou o marido, que também tinha câncer. Assim que ele se curou, ela desenvolveu a doença

Após quatro dias de tratamento, Flora Crozzer tomou o ônibus de volta a Palmas, acompanhada da filha. Ela sonha se livrar do câncer para voltar a cantar. Vislumbra gravar um DVD no sítio em que mora com a família |

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Após quatro dias de tratamento, Flora Crozzer tomou o ônibus de volta a Palmas, acompanhada da filha. Ela sonha se livrar do câncer para voltar a cantar. Vislumbra gravar um DVD no sítio em que mora com a família

Fila para o jantar no refeitório da Casa de Apoio Ideal. Por dia, mais de 400 refeições são servidas na casa. O cardápio tem direito a três saladas, arroz, feijão, farofa e carne. Tudo preparado ali mesmo, por cozinheiras da casa |

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Fila para o jantar no refeitório da Casa de Apoio Ideal. Por dia, mais de 400 refeições são servidas na casa. O cardápio tem direito a três saladas, arroz, feijão, farofa e carne. Tudo preparado ali mesmo, por cozinheiras da casa

Em tempos de Copa do Mundo, as salas de tevê da Casa de Apoio Ideal ficavam disputadíssimas pelos pacientes que queriam acompanhar os jogos. Neste dia, a maioria apoiava a seleção da Argélia contra a Alemanha |

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Em tempos de Copa do Mundo, as salas de tevê da Casa de Apoio Ideal ficavam disputadíssimas pelos pacientes que queriam acompanhar os jogos. Neste dia, a maioria apoiava a seleção da Argélia contra a Alemanha

Altair Rodrigues de Melo recebe incentivo da fundadora da Casa de Apoio Ideal, Leandre Dal Ponte. Após 13 cirurgias na perna esquerda, ele teve o membro amputado. Viajou de Telêmaco Borba, acompanhado da esposa Beatriz de Jesus Melo. Ao fundo, Hilário Nedorezec – que faz tratamento contra o câncer – e a mulher Almira Skubez |

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Altair Rodrigues de Melo recebe incentivo da fundadora da Casa de Apoio Ideal, Leandre Dal Ponte. Após 13 cirurgias na perna esquerda, ele teve o membro amputado. Viajou de Telêmaco Borba, acompanhado da esposa Beatriz de Jesus Melo. Ao fundo, Hilário Nedorezec – que faz tratamento contra o câncer – e a mulher Almira Skubez

Funcionária e paciente trajados para festa junina, na sala onde se guardam as roupas de cama. Mais de 50 funcionários mantêm a rotina da Casa de Apoio Ideal |

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Funcionária e paciente trajados para festa junina, na sala onde se guardam as roupas de cama. Mais de 50 funcionários mantêm a rotina da Casa de Apoio Ideal

Um ano atrás, Isaura Caju Nunes, de 53 anos, fraturou o fêmur em um acidente de trânsito. Após a internação, sofreu infecção hospitalar. Desde então, já foram cinco cirurgias e ela ainda permanece com o osso esfacelado. Há um ano, vive na Casa de Apoio Ideal. Somente aos fins de semana visita a família em Rancho Alegre do Oeste. Nem por isso, deixa o bom humor e o sorriso de lado |

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Um ano atrás, Isaura Caju Nunes, de 53 anos, fraturou o fêmur em um acidente de trânsito. Após a internação, sofreu infecção hospitalar. Desde então, já foram cinco cirurgias e ela ainda permanece com o osso esfacelado. Há um ano, vive na Casa de Apoio Ideal. Somente aos fins de semana visita a família em Rancho Alegre do Oeste. Nem por isso, deixa o bom humor e o sorriso de lado

Há 45 dias, Maria Beatriz Gaudêncio Gama, de 16 anos, foi submetida a um transplante de fígado. Ela e a mãe, Raquel Vidas da Gama, de 34 anos, contam as horas para irem embora para casa, em Querência do Norte. Enquanto isso, a jovem permanece em tratamento, com direito a alimentação especial |

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Há 45 dias, Maria Beatriz Gaudêncio Gama, de 16 anos, foi submetida a um transplante de fígado. Ela e a mãe, Raquel Vidas da Gama, de 34 anos, contam as horas para irem embora para casa, em Querência do Norte. Enquanto isso, a jovem permanece em tratamento, com direito a alimentação especial

Os quartos das casas de apoio são coletivos. Em geral, homens e mulheres ficam em quartos separados |

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Os quartos das casas de apoio são coletivos. Em geral, homens e mulheres ficam em quartos separados

Detalhe de um dos corredores da Casa de Apoio Ideal, que conta mais de 400 quartos |

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Detalhe de um dos corredores da Casa de Apoio Ideal, que conta mais de 400 quartos

A família do pequeno Gabriel dormiu no carro. Garoto foi encaminhado a Curitiba para uma cirurgia de baixíssima complexidade |

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A família do pequeno Gabriel dormiu no carro. Garoto foi encaminhado a Curitiba para uma cirurgia de baixíssima complexidade

Ônibus e vans começam a chegar muito cedo, antes do raiar do dia. Vêm de todas as regiões do estado, em um movimento que faz lembrar uma romaria. Em pouco tempo, lotam a pequena rua no bairro Jardim Botânico, em Curitiba. Ali, fica uma das 14 casas de apoio regularizadas – com alvará – da capital, que acolhem pessoas vindas de outras regiões para cuidar da saúde. Sim, esses "peregrinos" não vêm à cidade para rezar, mas para terem acesso a tratamento médico.

INFOGRÁFICO: Veja informações sobre os "peregrinos"

SLIDESHOW: Veja mais fotos dos "peregrinos" da saúde

Mais de 35% dos pacientes internados em Curitiba vêm de outros municípios. Algo em torno de 54 mil pessoas por ano. Por um lado, essa peregrinação revela as dificuldades enfrentadas por quem precisa rodar centenas de quilômetros para cuidar da saúde. Por outro, a migração exerce um peso sobre o sistema. Em 2012, o atendimento a pessoas de outros municípios, via Sistema Único de Saúde (SUS), custou mais de R$ 100 milhões, cobertos pelo Fundo Municipal de Saúde, com recursos do governo federal. O valor representa 41% do que a capital gasta com o serviço.

A romaria por tratamento não se dá à toa: Curitiba concentra a maior parte dos serviços especializados de saúde no estado. Quem vem, vem porque precisa. Os pacientes são encaminhados por médicos de hospitais e unidades de saúde das cidades de origem. Em geral, são casos de alta complexidade. Por causa disso, o custo médio do internamento de quem vem de outros municípios é maior do que o dos pacientes locais.

Histórias

Quartos e corredores das casas de apoio são povoados por histórias de lutas contra doenças graves. Casos como o de Flora Crozzer, 61 anos, cantora de música gaúcha, temporariamente silenciada por um câncer no esôfago. Moradora de Palmas, ficou três meses a fio na Casa de Apoio Ideal. Em oito meses de tratamento, passou por 28 quimioterapias e 32 radioterapias. Como uma peregrina, tem muita fé. "É bem cansativo, mas, se Deus quiser, eu vou melhorar logo e voltar a cantar. Vamos gravar um DVD lá no sítio em que moro", afirma.

A maioria vem de longe. A viagem que trouxe Maria Donizeti Corrêa, 57 anos, e o irmão dela, o agricultor Jorge Corrêa da Silva, 49 anos, durou mais de dez horas. Há nove anos, eles se deslocam de Assis Chateubriand a Curitiba em um micro-ônibus para Maria ser submetida a tratamento cardíaco e pulmonar. "Para nós, era melhor que fosse [feito] em Toledo. Mas encaminham a gente para cá", resigna-se Silva.

Para a Secretaria Muni­cipal de Saúde, o principal impacto desse fluxo é contribuir para que o número de procedimentos feitos pelo SUS seja maior do que o previsto pela programação assistencial de Curitiba. "É uma diferença que não está sendo coberta", aponta o secretário Adriano Massuda. A pasta estima que esse déficit gire entre R$ 1 milhão e R$ 1,5 milhão. A secretaria pretende chegar a um valor exato para renegociar a programação com o Ministério da Saúde.

Convênios garantem estadia gratuita

Na esteira desse fluxo de pacientes – muitos sem onde ficar em Curitiba –, as casas de apoio se consolidaram. Em geral, elas mantêm convênios com prefeituras de todas as regiões do estado, por meio dos quais os pacientes podem pernoitar e se alimentar durante o período em que permanecem na cidade, sem pagar nada. Além das casas regularizadas, estima-se que existam três dezenas delas funcionando informalmente – sem alvará ou com outra atividade discriminada.

"Se não fossem as casas de apoio, essas pessoas não poderiam se tratar. Pouquíssimos teriam condições de pagar para comer e ficar na cidade durante o tratamento. A gente preenche um buraco que é dever do Estado", pontua Leandre dal Ponte, fundadora da Casa de Apoio Ideal, a maior de Curitiba.

O local mantém contrato por licitação com 218 municípios do Paraná. Em média, cada prefeitura repassa à Ideal R$ 37 por diária de paciente acolhido – que inclui estadia, café da manhã, almoço e jantar. As pessoas das cidades conveniadas não pagam nada. Precisam apenas programar a estadia, conforme o encaminhamento médico.

Os números da Casa de Apoio Ideal lembram os de um batalhão: são 408 camas, 50 funcionários e refeitório para 150 pessoas. Só de arroz, são preparados 50 quilos por dia. O estabelecimento começou as atividades há 15 anos, em uma casa de esquina. Hoje, o prédio abrange outras dez casas vizinhas, emendadas à primeira. A direção não sabe a dimensão exata do espaço ocupado pela entidade.

Esperança

Apesar da seriedade dos casos, o clima não é pesado. A solidariedade aparece em cada canto da casa. Em tempos de Copa do Mundo, os anexos com televisão ficaram lotados. Paralelamente, pessoas trocam experiências sobre seu tratamento, dando força umas às outras. "A gente dá uma esperança e também recebe uma palavra de apoio. Acaba criando uma patota. Fiz amigo até do Mato Grosso", disse Hilário Nedorezec, 67 anos, morador de Irati que veio combater um câncer de próstata.

A fé também acompanha os "peregrinos". Moradora de Guarapuava, Marilene Persolo está há um mês em Curitiba, fazendo tratamento contra um câncer. Viajou sozinha. "Sozinha, não. Com Deus e com as amigas da casa", corrigiu a aposentada, que dorme ao lado de um livreto de São José. Bem humorada, ela passou o aniversário de 66 anos na casa de apoio. Recebeu mais de 150 mensagens de celular com felicitações. No dia seguinte, teve festa junina. "Estava uma beleza. Pena que eu não aguentei ficar muito", disse.

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