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Desenvolvimento

A travessia da terra vermelha

Em oito décadas, Londrina passou de vilarejo no meio da mata a uma das mais importantes cidades de médio porte do país. Melhor que isso - há quem se lembre de cada capítulo dessa história

Estela Okabayashi viu Londrina passar de vilarejo a referência nacional em desenvolvimento | Gilberto Abelha/Jornal de Londrina
Estela Okabayashi viu Londrina passar de vilarejo a referência nacional em desenvolvimento (Foto: Gilberto Abelha/Jornal de Londrina)
Cenas da Londrina antiga: região de mata fechada e terras férteis foi desbravada por povos de todos os cantos do mundo, que protagonizaram ali uma odisseia do século 20 |

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Cenas da Londrina antiga: região de mata fechada e terras férteis foi desbravada por povos de todos os cantos do mundo, que protagonizaram ali uma odisseia do século 20

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Há exatos 83 anos, uma expedição inglesa chegava ao Norte do Paraná com a missão de construir o Patrimônio Três Bocas, lugarejo que daria origem a Londrina. O crescimento se deu de forma tão acelerada que aqueles que ali chegaram ainda crianças puderam testemunhar duas realidades bastante distintas, num curto espaço de tempo.

Era 1929. A floresta parecia intransponível; a terra, vermelha e fértil para lavoura. O governo do estado queria desenvolver a região e a Companhia de Terras Norte do Paraná enxergou essa riqueza, comprando 1,2 milhão de hectares que precisavam ser demarcados e loteados.

Para crescer, havia necessidade de propaganda, o que atraiu alemães, italianos, japoneses e brasileiros interessados naquelas terras. Foi assim que a família de Maria Alice Brugin de Arruda Leite chegou ao Norte paranaense. "Meus pais eram imigrantes italianos e plantavam café em São José do Rio Preto [interior de São Paulo]. Com a quebra da Bolsa de Chicago [em 1929], perdemos tudo. Foi quando meu pai viu a propaganda no trem de Santos e se interessou por Londrina", conta.

Cada comprador podia adquirir até 20 alqueires, já que o objetivo era colonizar a região. Em 1931, Eugênio Brugin comprou um lote de terras, mais um terreno para construir uma casa no Centro. "Eu tinha 4 anos e me lembro bem da família toda vindo no caminhão. Quando chegamos a Jataizinho, atravessamos o Rio Tibagi de balsa, porque ainda não havia ponte", relata Maria.

Os Brugin foram a terceira família em Londrina. Os oito filhos eram as únicas crianças da cidade. Maria foi a primeira aluna matriculada no tradicional Colégio Mãe de Deus, fundado por um grupo de freiras alemãs, em 1936. "Meu pai chegou contando que as freiras vieram para abrir uma escola. Fui lá e, sozinha, matriculei a mim e meus irmãos", relembra.

Para a pioneira, a vinda das religiosas foi uma das ações mais importantes da colonização de Londrina. "Elas chegaram, apresentando peças de teatro, ensinando as crianças a declamar, cantar, pintar, tocar instrumentos. Ali começou a vida cultural da cidade", avalia.

A primeira nissei

Filha de imigrantes japoneses, a pedagoga Estela Okabayaski Fuzii foi a primeira nissei a nascer em Londrina, em 1933. Teve de ser registrada em Jataizinho, já que Londrina só viria a se tornar município em 1934. O pai abriu uma casa de secos e molhados. A mãe criou a Escola Modelo, na qual as moças aprendiam corte e costura, bordado e culinária. "Minha mãe foi a primeira intérprete de Londrina e eu a primeira na condição de nissei. Ela tinha um grande domínio do português e era muito requisitada pelos imigrantes que moravam aqui", conta.

Estela ainda se lembra daquele que talvez tenha sido o primeiro homicídio cometido na cidade recém-nascida. Era uma família de judeus, ainda vistos com desconfiança depois da perseguição promovida contra eles no período da Segunda Guerra. "Um dia, num assalto à loja, que se chamava Casa Econômica, a proprietária, dona Ema, foi assassinada. Foi um choque para toda a cidade", recorda.

Outras recordações ainda estão frescas na memória da pioneira. A geada negra, de 1975, que devastou os cafezais que tanto enriqueceram a região, é uma delas. Nenhuma delas, no entanto, abala o orgulho que Estela sente da cidade. "Londrina teve um desenvolvimento muito rápido. É uma cidade que acompanha as mudanças", elogia.

MemóriasPoeira e barro marcaram hábitos dos moradores da região

Dentre as lembranças que o mineiro Newton Expedito de Moraes guarda da época em que chegou a Londrina, em 1938, a convivência com a terra vermelha está entre as mais latentes. "Ao contrário de Minas, onde as crianças podiam brincar e voltar limpinhas porque a terra era branca, aqui voltavam vermelhos da cabeça até os pés. A mãe tinha que pegar bacia, esquentar água e lavar com bucha", lembra.

Essa terra tão fértil, na qual qualquer semente displicentemente jogada brotava em poucos dias, oferecia duas condições diferentes aos seus habitantes. Em tempo de chuva, era um barro escorregadio que promovia muitos tombos. Quando seca, era a poeira que deixava tudo coberto por uma fina película vermelha. "As casas não paravam limpas, mas era uma terra sadia. As crianças brincavam e não ficavam doentes", conta Moraes.

O primeiro trecho de calçamento, feito de paralelepípedo, se tornou a sensação na cidade. Era uma única quadra, começando na Praça da Bandeira, onde hoje é o calçadão da cidade. "Foi uma maravilha. Quando chegava o domingo, o povo fazia o que eles chamavam de footing, andando para lá e para cá naquela quadra", relata.

Essa terra tão fértil, que fez de Londrina a capital mundial do café e alavancou a economia da cidade, foi, segundo Moraes, a responsável pelo que a cidade se tornou, junto com o povo que aqui chegou. "As pessoas vinham porque a terra era boa, promissora. E o povo que veio, veio para trabalhar mesmo, plantar, construir, fazer dinheiro. Não fosse a geada, Londrina seria ainda maior do que é hoje", sugere.

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