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Migração

A via-crúcis de imigrantes ilegais

No caminho para o Brasil, haitianos sofrem abusos de “coiotes”, roubos, estupro, ameaça de morte e cobrança de pedágio

Haitianos procuram informações sobre o CPF no Mural do Hotel Brasileia onde estão hospedados. Com o documento fica mais fácil conseguir emprego | Michel Filho/Agência O Globo
Haitianos procuram informações sobre o CPF no Mural do Hotel Brasileia onde estão hospedados. Com o documento fica mais fácil conseguir emprego (Foto: Michel Filho/Agência O Globo)

O sonho haitiano de trabalhar no Brasil e ganhar salários de até R$ 4 mil começa numa agência de viagens da República Domi­­nicana, com a qual todos fecharam negócio, mas de cujo nome nenhum diz se lembrar. É lá que são vendidos os pacotes de imigração ilegal, a preços que vão de US$ 1 mil a US$ 2.600. O roteiro é conhecido: Re­­pública Dominicana, Panamá e Lima. A partir da capital peruana, o trajeto é feito de ônibus, passando por Puerto Mal­­donado, até Iñapari, última cidade antes da fronteira com Assis Brasil, porta de entrada oficial ao território brasileiro pela rodovia Inte­­roceânica, que liga o Brasil ao Oceano Pacífico, num trajeto de 1.700 km.

O Brasil dos sonhos dos haitianos não tem crise econômica, é carente de mão de obra e, de quebra, ainda há Ronaldo Fenômeno, ídolo dos jovens haitianos. Mas, em Iñapari, o sonho acaba: o trabalho da agência termina ali, a 113 quilômetros de Brasileia. O percurso pode ser feito de carro ou táxi em uma hora e meia. A diferença entre sonho e pesadelo é saber se a Polícia Federal brasi­­leira permitirá a entrada sem o visto obrigatório, que deveria ter sido emitido no Haiti. Desde o Natal, a fronteira está liberada.

Quem chegou antes, entre novembro e dezembro, foi vítima de boatos de que a passagem sem visto estava impedida e caiu nas mãos de coiotes. Dois irmãos peruanos cobrariam US$ 50 para levar até a fronteira com a Bo­­lívia, e outros US$ 50 para cruzar com os haitianos dentro da mata, numa ca­­minhada de duas horas. Há quem diga que, para simular dificuldade, a dupla fazia os haitianos andarem em ziguezague. Na fronteira da Bolívia, houve quem co­­brasse pedágio para evitar que fossem presos. Mais US$ 50. Os que não tinham dinheiro deixaram malas e objetos de va­­lor.

Violência

A pé, carregando malas no meio do mato, haitianos contam ter sido também roubados e mulheres, estupradas. Houve até notícias não confirmadas de haitianos mortos no caminho.

Luciene Chachou, de 24 anos, e Joseph Christine, de 37, vivem o pe­­sadelo. Cada uma pagou US$ 1 mil para vir. Ao chegarem em Iñapari, em dezembro, souberam que a fronteira estava fechada e aceitaram o trabalho dos coiotes. Na mata, diz Luciene, as duas foram agredidas e tiveram seus pertences arrancados. Após o susto, chegaram a Brasileia sem saber por onde começar e foram acolhidas por uma haitiana, que alugara uma casa, enquanto esperava pelo visto. Mas, na semana passada, a mulher foi embora.

"Estamos na rua, não sabemos onde ficar", diz Joseph Christine, que só fala crioulo, sentada na pra­­ça ao lado da amiga e compa­­nheira de viagem. Com a ajuda de um intérprete, ela conta que não gosta da comida oferecida pelo governo do Acre; acha as con­­dições em Bra­­sileia muito ruins e está de­­cepcio­­nada, porque a agência que vendeu "o pacote" disse a ela que, logo ao chegar, co­­meçaria a trabalhar. Há co­­zi­­nheiros, padeiros, pedreiros e profissionais de todo o tipo entre os haitianos na praça de Brasileia.

O problema é que eles não têm como sair dali. Além da espera pelo visto humanitário, que de­­mora até 45 dias, agora há o me­­do. No ano passado, grupos de haitianos receberam passagem do governo do Acre para ir até Porto Velho, em Rondônia, onde encontraram trabalho, principalmente ligados à construção de três hidrelétricas. Lá, muitos esperam ganhar dinheiro e seguir para o sonho maior: São Paulo.

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