
O sonho haitiano de trabalhar no Brasil e ganhar salários de até R$ 4 mil começa numa agência de viagens da República Dominicana, com a qual todos fecharam negócio, mas de cujo nome nenhum diz se lembrar. É lá que são vendidos os pacotes de imigração ilegal, a preços que vão de US$ 1 mil a US$ 2.600. O roteiro é conhecido: República Dominicana, Panamá e Lima. A partir da capital peruana, o trajeto é feito de ônibus, passando por Puerto Maldonado, até Iñapari, última cidade antes da fronteira com Assis Brasil, porta de entrada oficial ao território brasileiro pela rodovia Interoceânica, que liga o Brasil ao Oceano Pacífico, num trajeto de 1.700 km.
O Brasil dos sonhos dos haitianos não tem crise econômica, é carente de mão de obra e, de quebra, ainda há Ronaldo Fenômeno, ídolo dos jovens haitianos. Mas, em Iñapari, o sonho acaba: o trabalho da agência termina ali, a 113 quilômetros de Brasileia. O percurso pode ser feito de carro ou táxi em uma hora e meia. A diferença entre sonho e pesadelo é saber se a Polícia Federal brasileira permitirá a entrada sem o visto obrigatório, que deveria ter sido emitido no Haiti. Desde o Natal, a fronteira está liberada.
Quem chegou antes, entre novembro e dezembro, foi vítima de boatos de que a passagem sem visto estava impedida e caiu nas mãos de coiotes. Dois irmãos peruanos cobrariam US$ 50 para levar até a fronteira com a Bolívia, e outros US$ 50 para cruzar com os haitianos dentro da mata, numa caminhada de duas horas. Há quem diga que, para simular dificuldade, a dupla fazia os haitianos andarem em ziguezague. Na fronteira da Bolívia, houve quem cobrasse pedágio para evitar que fossem presos. Mais US$ 50. Os que não tinham dinheiro deixaram malas e objetos de valor.
Violência
A pé, carregando malas no meio do mato, haitianos contam ter sido também roubados e mulheres, estupradas. Houve até notícias não confirmadas de haitianos mortos no caminho.
Luciene Chachou, de 24 anos, e Joseph Christine, de 37, vivem o pesadelo. Cada uma pagou US$ 1 mil para vir. Ao chegarem em Iñapari, em dezembro, souberam que a fronteira estava fechada e aceitaram o trabalho dos coiotes. Na mata, diz Luciene, as duas foram agredidas e tiveram seus pertences arrancados. Após o susto, chegaram a Brasileia sem saber por onde começar e foram acolhidas por uma haitiana, que alugara uma casa, enquanto esperava pelo visto. Mas, na semana passada, a mulher foi embora.
"Estamos na rua, não sabemos onde ficar", diz Joseph Christine, que só fala crioulo, sentada na praça ao lado da amiga e companheira de viagem. Com a ajuda de um intérprete, ela conta que não gosta da comida oferecida pelo governo do Acre; acha as condições em Brasileia muito ruins e está decepcionada, porque a agência que vendeu "o pacote" disse a ela que, logo ao chegar, começaria a trabalhar. Há cozinheiros, padeiros, pedreiros e profissionais de todo o tipo entre os haitianos na praça de Brasileia.
O problema é que eles não têm como sair dali. Além da espera pelo visto humanitário, que demora até 45 dias, agora há o medo. No ano passado, grupos de haitianos receberam passagem do governo do Acre para ir até Porto Velho, em Rondônia, onde encontraram trabalho, principalmente ligados à construção de três hidrelétricas. Lá, muitos esperam ganhar dinheiro e seguir para o sonho maior: São Paulo.



