Enquanto a contemporaneidade se mostra estarrecida com as constantes notícias sobre mães que jogam seus filhos recém-nascidos em lagos, ruas, matagais e até lixeiras, os moradores da antiga Vila de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais de Curitiba não demonstravam a mesma perplexidade. "O fato era encarado com certa normalidade", explica o historiador André Cavazzani, que concluiu sua dissertação de mestrado na Universidade Federal do Paraná (UFPR) com um estudo sobre a exposição e os expostos na Curitiba de meados do século 18.
Esta visão se explica por serem as crianças, naquela época, deixadas em frente a casas de família, que as acolhiam. As chamadas Rodas dos Expostos presentes na Bahia, no Rio de Janeiro, em São Paulo e em Santa Catarina também colaboravam para que os bebês não fossem largados nas ruas. Essas rodas existiam em instituições que acolhiam os enjeitados. Eram uma espécie de cilindro de madeira na qual as mães depositavam as crianças, do lado de fora. Depois, o rodavam. Dessa forma, não precisavam se identificar e tinham a certeza de que seus bebês cresceriam sadios.
Enganavam-se porém. "Os índices de mortalidade nas casas de roda eram grandes, por falta de leite ou condições de tratamento", diz Cavazzani. Cerca de 70% das crianças morriam antes dos 7 anos. Os que sobreviviam eram encaminhados a famílias acolhedoras, ou locatárias. "Em geral, as crianças pagavam com trabalhos domésticos, servindo até como escravos", revela o historiador.
Vistos como filhos de ninguém, as crianças eram estigmatizadas. O preconceito era maior com os filhos do que com as mães que os abandonavam. "As crianças sofriam uma morte social e afetiva. Muitas se rebelavam, indo morar nas ruas e dando origem a mais uma geração de casais que abandonavam os próprios filhos". Aqui, a relação com a atualidade ganha força.
As razões que levavam ao abandono, porém, voltam a registrar diferenças. "A questão moral era o motivo principal. Filhos fora do casamento, ou antes dele, resultavam em severas punições", lembra Cavazzani. "A quantidade de filhos que um casal costumava ter e a relação que se tinha com a infância diferentemente de hoje, quando uma criança é o centro familiar também colaboravam para que o abandono fosse visto de uma forma mais branda."
Mesmo registrando grande número de expostos 13% dos bebês batizados , a Curitiba de então apresentava índices menores do que outras regiões. Isso se deve à inexistência das rodas por aqui e à situação de subsistência, beneficiada com a chegada de mais um colaborador para o trabalho.



