
Durante um século, o Umbará, na Zona Sul de Curitiba, foi sinônimo de lonjura. Morar naquelas bandas implicava, mesmo em tempos recentes, penar na fila do ônibus, fazer filas para usar o telefone público e estar mais perto de Marte do que de uma banquinha de revistas. Viver na região também significava se enfurnar em casa nos dias de chuva. De tão freqüente, o lamaçal virou uma lenda: a palavra "Umbará" de origem indígena e com registros já na segunda década do século 19 teria nascido de um italianês de colônia: "um barrá".
Mas os tempos são outros. É fato que o bairro ainda guarda características de zona rural e a infra-estrutura permanece sofrível. Mas a "cidade" que resistia em migrar para aquelas bandas hoje está prestes a promover uma intrépida "Conquista do Sul". O Umbará virou objeto de desejo. É aí que mora o perigo. De distante e lamacento converteu-se numa espécie de ilha da fantasia em meio ao sufoco urbano.
O primeiro motivo para a caravana é que muitos curitibanos enxergam na região uma sobra da capital que não existe mais. "Canso de ouvir gente dizendo que o Umbará parece Curitiba de antigamente", comenta o contador Altervir Burbello, dono de um grande escritório de contabilidade no "centro nervoso" do bairro o microtrecho da Avenida Nicola Pellanda que abriga a Matriz de São Pedro, o Colégio Estadual Padre Cláudio Morelli e meia dúzia de bares-restaurantes que não fazem jus ao macarrão das nonnas. Sim as "primas" Santa Felicidade e Água Verde já foram assim um dia.
A "turma da saudade", contudo, não representa nenhuma ameaça. O mesmo não se diga dos condomínios de luxo, dos loteamentos populares e das ocupações irregulares três tipos de habitação que não só avançam sobre a região como prometem alterá-la em definitivo. A depender de quem falar mais alto, a antiga colônia pode se transformar num dublê do Alphaville, numa imensa zona favelizada ou em uma extensão de seus vizinhos pobres e populosos o Tatuquara e o Sítio Cercado.
O problema é que nenhum dos competidores merece o pódio. O Umbará segundo maior bairro da capital, atrás da CIC tem 22,4 milhões de metros quadrados, garantindo a fábula de 533 metros quadrados de área verde por morador. A média municipal beira 10% disso. Em miúdos: "é o pulmão".
Dentre os candidatos a tomar posse do Umbará, os que mais metem medo na prefeitura são os sem-teto, hoje instalados em três ocupações e sete loteamentos irregulares. Com míseros 7,5 habitantes por hectare, o bairro seria o endereço natural para os órfãos dos programas de moradia. No circuito das ocupações, contudo, a desconfiança do poder municipal já virou piada: viver ali só é bom para quem consegue emprego na Ceasa. A região é o pior dos mundos para quem vive na informalidade.
De fato, poucas áreas de Curitiba têm tão pouco comércio 1.304 estabelecimentos cinco vezes menos que o pequeno Capão Raso. Mesmo os descendentes de italianos parecem pouco preocupados com as ocupações, isoladas numa ponta da Avenida Nicola Pellanda.
Dois problemas tiram o sono da parcela bem-sucedida do bairro: a transformação da Nicola Pellanda num corredor industrial entre Fazenda Rio Grande e Curitiba (leia na página 6) e os conjuntos assinados pela Cohab-CT, hoje em número de 18, somando 3.010 unidades algo próximo de 12 mil pessoas. É como se um novo Umbará inteiro tivesse mudado para lá. O raciocínio é simples: a oficialização como bairro popular poderia afugentar os empreendedores de condomínios fechados, tipo de vizinhança que lhes parece mais adequada.
Os muros altos já estão a olhos vistos, mas é uma lenha descobrir quantos são. Dados da Secretaria Municipal de Urbanismo indicam, em 2008, 19 alvarás para residências e 4 para construções em série. No Sindicato da Indústria da Construção Civil (Sinduscon) a informação é de que foram 29 alvarás este ano e 11 ano passado, mas ninguém sabe informar se são condomínios fechados ou não. De qualquer modo, a primeira impressão fica: a muralha está invadindo a roça.
No Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (Ippuc), não é de hoje que o Umbará passeia pelas pranchetas. No início dos anos 2000, preocupava a turma do Patrimônio, que chegou a mapear o incrível casario de madeira da Nicola Pellanda com a intenção de transformar algumas residências em Uips Unidades de Interesse de Preservação. O medo, então, era que os proprietários assustados botassem tudo abaixo. Deu empate nem se preservou a região e a cada dia uma daquelas maravilhas da arquitetura colonial vira lenha.
O fato é que o que importa à prefeitura agora é salvar o bairro do desmatamento. Um grupo de técnicos do Ippuc vai permanecer a portas fechadas, até o início do ano, debruçado sobre dados e mapas da região hoje considerada área de risco. Como em tempos idos era zona agrícola, o Umbará tem grandes glebas e é alvo de especulação imobiliária. Para segurar a onda, a prefeitura anda dificultando aos herdeiros a divisão das propriedades em áreas muito extensas, o que pode tentar alguns deles a loteá-la, levando a mata a pique.
O arquiteto Reginaldo Reinert, à frente do projeto, resume a ópera: "O Umbará teve sorte e azar", decreta, ao falar do saldo das poucas ligações viárias somadas ao isolamento geográfico. A sorte é que ficou protegido. O azar é que pode ser atropelado pela pressa com que a cidade olha para lá. Se conseguir agregar todas as gentes, e manter-se verde, vai ser sua segunda vingança, e a sorte de todos.





