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Infância

Aborto entre meninas cresce 122%

Na faixa de 10 a 14 anos, a Justiça autorizou 49 procedimentos no ano passado, contra 22 em 2007

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SÃO PAULO - Meninas entre 10 e 14 anos correspondem ao grupo etário que mais cresceu entre pacientes submetidas a abortos autorizados pela Justiça no país. De acordo com levantamento do Ministério da Saúde, em 2007, foram 22 casos. Em 2008, foram registrados 49 – um aumento de 122%. Nas outras faixas etárias, a maior alta foi de 58,2%. A explicação apresentada é que a violência é a principal responsável pela gravidez das garotas. As meninas são um dos principais alvo dos violentadores – 47% dos casos de abusos são contra crianças e adolescentes.

"É uma informação que, por si só, derruba o preconceito que ainda existe de que a violência sexual foi provocada pela vítima, por insinuação, roupas provocantes", diz o coordenador do grupo de estudos sobre o aborto da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Thomaz Gollop. Os dados apresentados mostram cientificamente também que o drama das meninas que carregam outra criança no ventre, depois de terem sido estupradas, é um fenômeno cada vez mais comum no Brasil.

Na semana passada, uma menina de 11 anos, que ficou grávida do pai adotivo, deu à luz outra menina, no Rio Grande do Sul. Na semana passada também, um trabalhador rural foi preso na Bahia acusado de estuprar a própria filha, de 13 anos. A menina está grávida de 17 semanas.

Os casos aconteceram ao mesmo tempo que uma menina de 9 anos, de Recife, vivia drama semelhante. Estuprada pelo padrasto, ficou grávida de gêmeos e enfrentou uma via-crúcis para ser submetida a um aborto e afastar um risco sobre a sua própria vida.

No Hospital Estadual Pérola Byington, em São Paulo, referência nacional de atendimento das vítimas, bichos de pelúcia e bonecas costumam acompanhar as pacientes submetidas a aborto na unidade. Dos 47 procedimentos ocorridos no ano passado, 40% foram em menores de idade, todos resultantes de estupros. Em 90% dos casos, a violência foi cometida por alguém próximo da vítima: pai, amigo da família ou tio.

Também são as garotas que somam maior número entre as atendidas no Hospital Municipal Jabaquara, zona sul da capital paulista, primeiro autorizado no país a realizar o procedimento de interrupção da gestação em 1989, em caso de violência ou risco de saúde. Nestes 20 anos de atendimento, o perfil que representa os 337 abortos legais realizados no local não mudou: 69% foram vítimas de violência sexual e a maioria está distante da maioridade etária. Muitas chegam lá ainda com a ideia de "cegonha", sem entender como seus corpos podem abrigar outra criança.

Segundo especialistas, é a fragilidade da criança e adolescente e a relação desigual de poder entre vítima e autor que acabam atraindo o agressor. A gestação acaba como revelador de uma violência que se arrasta por anos de forma oculta, cometida por um agressor próximo. As pesquisas mostram que 60% das meninas sofrem abuso por mais de um ano (12% por mais de cinco anos) e, dessas, 16% acabam grávidas.

O presidente da Fundação Abrinq, Synésio da Costa, lembra que, em alguns casos, o estupro é "permitido". A família acaba silenciando por causa da posição ocupada pelo agressor. "Como o estuprador é o provedor da casa, a violência é aceita em troca de um prato de comida", afirma.

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