
Os artifícios da chamada Guerra contra o Terror colocaram os Estados Unidos em rota de colisão com o Direito Internacional. Na busca por desmobilizar a rede terrorista Al Qaeda, o Pentágono enviou forças especiais secretas para capturar suspeitos de terrorismo em outros países. As ações, na maioria das vezes, são realizadas sem o conhecimento dos Estados, o que viola a soberania desses territórios.A análise unânime entre especialistas em Direito Internacional alerta para a seguinte contradição: um país pode desrespeitar a lei para capturar acusados de crimes? A defesa do Departamento de Estado dos Estados Unidos, responsável pelas questões de política externa, se baseia no argumento de que o combate ao terrorismo é uma guerra pulverizada, cujo cenário não se limita aos campos de batalha quentes, como o Afeganistão. "Nos reservamos o direito de agir de forma unilateral, se ou quando outros governos não quiserem ou não puderem agir por eles mesmos", declarou John Brennan, o principal conselheiro da Casa Branca para contraterrorismo, citado pelo jornal The New York Times.
Um dos exemplos mais recentes é o da execução do saudita Osama Bin Laden, mentor dos atentados de 11 de setembro e então líder da Al Qaeda, mas há outros registros atuais de ações unilaterais na Polônia, Romênia e Iêmen. A execução de Bin Laden foi secreta, sem o conhecimento do governo do Paquistão. Uma das diretrizes do Pentágono, inclusive, era de que o ataque fosse rápido a ponto de evitar ser detectada pelas autoridades locais.
Tatyana Friedrich, professora de Direito Internacional da Universidade Federal do Paraná (UFPR), lembra que a captura de um suspeito em solo estrangeiro somente pode ser realizada a partir de acordos de extradição ou mediante uso conjunto de força militar. "O Direito Internacional existe exatamente para delimitar as fronteiras de soberania do país, e cada estado vai exercer a jurisdição somente dentro de seu território", lembra.
Dentro dos EUA, o 11 de Setembro também resultou em alterações nas liberdades individuais dos cidadãos, legalizadas por meio do Ato Patriótico. "Sob a ótica interna da segurança daquele país, esses ataques em solo estrangeiro encontram defesa", ressalta Eduardo Gomes, professor de Direito Internacional do programa de mestrado da Unibrasil. "Depois do 11 de Setembro, o terrorismo ganhou uma dimensão global. Mas isso não autoriza um Estado a invadir outro por julgar que existe ali uma ameaça a ser neutralizada", pondera.
Responsabilidade
Se o desacordo com a justiça internacional é evidente, a responsabilização é difícil de ser realizada. Qualquer sanção que pudesse ser aplicada aos Estados Unidos precisaria ser aprovada pelo Conselho de Segurança da ONU, onde os EUA é um dos cinco membros permanentes, e com poder de veto. "Além disso, torna-se um problema para o país invadido pedir a responsabilização de um país com tão grande poder econômico e político", afirma Tatyana.
O juiz federal Friedman Wendpap, também especialista em Direito Internacional e colunista da Gazeta do Povo, ressalta ainda a fraqueza institucional dos Estados invadidos. "São nações que até mesmo encontram dificuldade em se garantir como Estados soberanos", lembra.



