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Abastecimento

Água encanada só para os vizinhos

Famílias de Piraquara, cidade que abastece Curitiba, vivem sem saneamento básico. Essa é a realidade de 200 mil moradores da região metropolitana

José, um dos dez netos, pega água no reservatório: falta de água tratada põe saúde das crianças em risco | Jonathan Campos/Gazeta do Povo
José, um dos dez netos, pega água no reservatório: falta de água tratada põe saúde das crianças em risco (Foto: Jonathan Campos/Gazeta do Povo)
Veja que o Paraná ainda tem parte da população sem água ou esgoto tratado |

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Veja que o Paraná ainda tem parte da população sem água ou esgoto tratado

A dona de casa Sirlene Ferreira Maia, 49 anos, vive ainda como no século 19. Ela, as duas filhas e genros, uma sobrinha e os dez netos não têm água encanada em casa. Mesmo morando no bairro Águas Claras, em Piraquara – cidade que abastece Curitiba –, eles precisam da ajuda da prefeitura do município para lavar roupa e tomar banho. Semanalmente um caminhão leva água potável e o Corpo de Bombeiros enche um reservatório de 300 litros para as outras atividades.

Dados de uma pesquisa divulgada pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) há duas semanas mostram que a capital curitibana e a região metropolitana têm um dos melhores índices de saneamento básico do país. Mesmo assim, são cerca de 200 mil pessoas sem água em Curitiba e região metropolitana.

No terreno onde Sirlene e a família moram, que fica a 20 quilômetros de Curitiba, há três casas, mas só um banheiro, sem água encanada, para 18 pessoas. O horário do banho é o mais temido por adultos e crianças. Sem água dentro de casa, não há chuveiro e a saída é utilizar uma bacia. Para os netos, Sirlene esquenta água no fogão a lenha, mas como é necessário economizar, são criados grupos de meninos e meninas. Além de tomarem banho juntos, eles utilizam a mesma água.

A primeira na fila é Laura, a mais nova, com 1 ano e meio. Para os adultos, a situação é mais complicada. Eles tomam banho de água fria, mesmo nos dias frios do inverno. Resiliente, Sirlene só se emociona ao falar da situação quando se lembra dos netos. "Quando chegamos aqui, todos ficaram com feridas. Levamos ao médico, mas não teve jeito. Foi só com o passar do tempo que eles se acostumaram."

A família Maia mudou para o local há um ano. A dona de casa veio do interior para a capital em busca de uma vida melhor. Morou em São José dos Pinhais e decidiu ir para Piraquara quando viu a oportunidade de ter seu próprio terreno. Toda a família se divide para pagar a conta da compra. As filhas e a sobrinha são diaristas, e os homens, serventes de pedreiro. Quase metade do pouco salário que recebem é destinada ao sonho da casa própria. Desde a mudança, eles buscam alternativas com a prefeitura e com a Companhia de Saneamento do Paraná (Sanepar) para garantir água tratada, mas a resposta é sempre negativa.

Sem banho

Além de causar problemas de saúde para a família e transtorno em atividades cotidianas, a falta de água transpõe os limites do terreno dos Maia. Recentemente a sobrinha perdeu o emprego de empregada doméstica porque a patroa não acreditou que ela faltou dois dias de trabalho porque não tinha como tomar banho. Naquela semana a água da prefeitura não foi suficiente. A filha também sofreu ao não ter o que vestir depois de duas semanas sem poder lavar roupas. Trouxe para casa lençóis para lavar e ganhar um dinheiro extra e não conseguiu. A patroa também não acreditou. "Sempre duvidam. Ninguém consegue imaginar que moramos na cidade que distribui água para Curitiba e, aqui dentro, tem gente sem. Isso não é dignidade", diz Sirlene.

Próximo à residência dos Maia, um caseiro pernambucano também sofre com a falta de água encanada. Incumbido de cuidar do sítio do patrão, ele depende da ajuda do poço de um vizinho para conseguir trabalhar na terra e tratar os animais. Alfredo Júlio da Silva, 68 anos, mora com a mulher e um filho no local. Ele diz que já se acostumou com a falta de chuveiro para o banho e quem sofre mais é a esposa. E quase profeticamente, como a frase atribuída a Antônio Conselheiro, líder de Canudos, Silva diz: "O Paraná vai virar Pernambuco, e Pernambuco vai virar o Paraná". Para ele, o sofrimento de viver sem água é quase o mesmo da época de criança no Nordeste.

Algumas propriedades vizinhas a Sirlene e Silva conseguem oferecer conforto aos seus moradores porque possuem poços artesianos, alternativa que os dois não têm. Este é o caso da família Pallu. Eles têm uma boa casa e conseguem utilizar a água subterrânea tanto para as atividades pessoais como da lavoura e podem viver do trabalho na terra. "Água, graças a Deus, nunca foi um problema para nós", diz o patriarca da família, Acir Pallu, 62 anos.

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