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Havan e Condor

“Amostradinhos”: varejistas reduzem até 50% dos furtos ao expor criminosos nas redes sociais

Furtos em lojas de varejo
Trechos de vídeos publicados pelas redes Condor e Havan (Foto: Reprodução)

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“Quem não quer aparecer aqui, é só não furtar.” Com esse mote, redes varejistas e mercados têm colocado em prática uma estratégia ousada para reduzir o alto volume de furtos dentro de suas lojas: divulgar, nas redes sociais, vídeos mensais com flagrantes que mostram o rosto dos criminosos.

São homens, mulheres, jovens, idosos e até mesmo uma cadeirante flagrados cometendo crimes. “Roubou, vai ser pego, preso, processado e ainda passará vergonha aqui nas redes sociais”, diz um dos vídeos da Havan – varejista com 180 lojas no país que, segundo a empresa, contam com sistemas de monitoramento inteligente que identificam tentativas de furtos.

A repercussão dos vídeos é bastante significativa e fez com que os furtos caíssem em 50% na Havan, que lançou a iniciativa no primeiro semestre de 2024. A varejista tem média de 25 milhões de reproduções a cada vídeo dos flagras, somando as três redes sociais em que o conteúdo é publicado. Apenas neste ano foram mais de 100 milhões de visualizações no total.

Na empresa, a prática ganhou até um nome: “Amostradinhos do Mês”. Os vídeos são publicados não apenas nos canais da rede, mas também nas contas do proprietário da Havan, o empresário Luciano Hang, que soma 12 milhões de seguidores nas redes sociais.

A rede de supermercados Condor, que possui lojas nos estados do Paraná e de Santa Catarina, também vê na divulgação desse modelo de vídeo uma estratégia para reduzir o alto índice de furtos em suas unidades. A rede publica os vídeos em sua conta no Instagram desde o segundo semestre do ano passado, e também alcança bons números: a média é de meio milhão de reproduções por vídeo.

A repercussão fez com que mercados e comércios menores também aderissem à estratégia, mas sem alcançar números tão expressivos.

Havan lançou campanha porque meios tradicionais não surtiram efeito

A pioneira da estratégia dos “Amostradinhos do Mês” calculava, até o início do ano passado, prejuízo mensal de R$ 200 mil apenas com os furtos registrados – considerando que parte dessas perdas não são identificadas de imediato. A campanha fez com que o número de ocorrências desse crime dentro das lojas da Havan caísse pela metade.

Segundo a empresa, o caminho tradicional de identificar os criminosos pelas câmeras e acionar a polícia não surtia o efeito necessário para coibir a prática. “A principal razão [para lançar a campanha] foi o aumento dos furtos nas megalojas Havan em todo o Brasil. Mesmo com flagrantes e ações da polícia, os casos continuavam acontecendo por conta da falta de punição efetiva. Diante desse cenário, a Havan decidiu expor o problema para chamar a atenção da sociedade e das autoridades”, diz nota da empresa enviada à Gazeta do Povo.

A varejista afirma que, quando um furto é identificado, a empresa coloca em prática um procedimento que envolve as equipes de prevenção e perdas, auditoria e, por fim, o departamento jurídico. “Cada caso é avaliado com cuidado”, diz a empresa.

Mas a estratégia já foi levada aos tribunais, com a Havan sendo acionada na Justiça por danos morais pela divulgação das imagens. “Mas até agora, confiando na Justiça brasileira, a empresa não teve nenhuma decisão contrária”, afirma.

Secretário de município amazonense foi exonerado após flagra

Uma das razões para que os “Amostradinhos do mês” tenham ganhado mais relevância nas últimas semanas foi a exoneração do secretário de Infraestrutura e Serviços Públicos de Presidente Figueiredo (AM). O rapaz, que tinha salário de R$17 mil, apareceu no último vídeo publicado pela Havan, em 13 de abril, flagrado durante uma suposta troca de embalagens, retirando um produto de R$ 749,90 e colocando-o na embalagem de outro item, com preço de R$ 129,90.

O rapaz, que havia sido candidato a vice-governador do Amazonas nas eleições de 2022, defendeu-se em nota, dizendo que a situação se tratou de um mal-entendido. “Em nenhum momento houve, da minha parte, qualquer intenção de agir de forma desonesta ou causar prejuízo a quem quer que seja", disse.

Apesar do êxito ao reduzir furtos, medida traz risco para as empresas

Na avaliação de juristas ouvidos pela reportagem, mesmo que a exposição da imagem do flagrante esteja contribuindo para reduzir os furtos, há riscos às empresas caso sejam acionadas judicialmente. Isso porque exibir publicamente os rostos dessas pessoas abre brechas para processos com pedidos de indenização por danos morais.

Entretanto, as empresas podem sustentar que estão cumprindo o artigo 144 da Constituição Federal, que estabelece que a segurança pública é dever do Estado, mas também responsabilidade de todos. Nesse caso, a justificativa de que as varejistas estão atuando para se precaver de futuros crimes e também alertando a população e outros comércios de que aquelas pessoas estão praticando furtos pode ser válida.

“É um típico caso em que não há uma resposta pronta, porque não há jurisprudência. Os dois lados, tanto a empresa quanto a pessoa exposta, têm direitos. Então é possível construir decisões juridicamente perfeitas, com um embasamento legal sólido, para os dois lados”, avalia Douglas Lima Goulart, especialista em Direito Penal e sócio do escritório Lima Goulart e Lagonegro Advocacia Criminal.

“É uma situação complexa, porque é completamente possível que uma decisão esteja correta no sentido A e que, na mão de outro juiz, esteja igualmente correta no sentido contrário. São duas decisões diferentes e conflitantes, mas ambas corretas”, prossegue. 

Advogada classifica exposição como “justiçamento”

Para Ana Paula Canto de Lima, advogada especialista em Direito Digital, a exposição das pessoas flagradas pode ser vista como “justiçamento”, ou seja, a chamada “justiça com as próprias mãos”, sem seguir os meios legais ou institucionais.

“Essa exposição pode ter consequências imprevisíveis, como um possível linchamento na comunidade onde aquela pessoa está, ou a ruptura de um casamento. Pode haver diversas consequências, inclusive para as pessoas ao redor da pessoa que está sendo exposta. Então, o justiçamento não é cabível no nosso ordenamento jurídico”, diz Ana Paula, que é diretora de Direito e Tecnologia da Escola Superior da Advocacia de Pernambuco (ESA/PE).

Por outro lado, a advogada também vê empecilhos para que as pessoas que aparecem nos vídeos acionem as empresas judicialmente. “Se vier a processar devido à exposição, tendo efetuado o furto, a pessoa iria se expor duplamente a uma situação constrangedora, principalmente porque se a empresa não conseguiu localizá-la, ela estaria de livre vontade se apresentando para que possa inclusive ser processada criminalmente”, explica.

O contraponto, entretanto, está nos casos em que a pessoa subtraiu um produto, mas voltou atrás e decidiu não deixar a loja com o item – ou ainda, se as câmeras flagraram o momento do furto, mas não a saída do criminoso com o produto.

“Se ela desiste de sair da loja com o produto, não vai se caracterizar o furto. Nesse caso, se mesmo assim a imagem for reproduzida nas redes sociais, o constrangimento e o prejuízo dessa exposição configura ataque à honra e à imagem”, diz a advogada. “Então, essa pessoa muito provavelmente vai conseguir configurar o dano moral na justiça, porque não há prova de que ela efetivamente praticou o crime”, prossegue.

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