Encontre matérias e conteúdos da Gazeta do Povo
Entrevista

André Luiz Gutierrez, presidente do Sinclapol

O seu mandado no sindicato começa com a Polícia Civil em que condições?

Os principais problemas são os mesmos há tempos: presos em delegacias, salário e efetivo -- nos últimos 20 anos, a defasagem sempre ficou em torno de 50% do previsto em lei. São entre 3,3 mil e 3,4 mil policiais civis. E a lei prevê 6,4 mil.

O governo está agindo para corrigir esse desequilíbrio?

Foi feito concurso recentemente e neste governo foram quatro turmas formadas. Mas, como é histórico, o governo tem de continuar fazendo novas seleções para suprir o déficit. Em contrapartida, tem de resolver o problema dos presos em delegacias. Hoje, com o efetivo que temos, se houvesse uma mágica que esvaziasse as delegacias de presos, haveria uma quantidade satisfatória de policiais. Se tirarem os presos das delegacias, a Polícia Civil volta a ter condições de trabalhar. Toda ela, não só as delegacias especializadas, onde normalmente já não ficam presos.

No começo do ano, no lançamento das celas modulares no Centro de Triagem II da Polícia Civil, em Piraquara, o governador Roberto Requião e o secretário Luiz Fernando Delazari afirmaram que essa seria a solução da superlotação nas celas das delegacias de Curitiba e região metropolitana. Isso está ocorrendo?

A questão não é nem essa. A lei afirma que o preso fica com a Polícia Civil somente durante o interesse da investigação. Acabou o procedimento, ele tem de ir para o sistema prisional. Precisamos de uma prisão provisória no estado, em Curitiba ou onde quer que seja, que receba esses presos. Lugar de preso não é em delegacia.

Mas as celas modulares ajudaram?

Ajudaram, mas não é a solução. A solução seria a construção de presídios com 10 mil vagas provisórias, pelo menos. O cálculo é o seguinte: o secretário Delazari diz que existem 30 mil presos no Paraná. Sabemos que no Depen (Departamento Penitenciário) há 14,2 mil presos. Então os outros 15,8 mil estão onde? Distribuídos nas delegacias. Mais da metade dos detentos do estado, e não é de hoje. Temos informações de que no DPI (Departamento de Polícia do Interior) há 10 mil presos. O ideal seria que as delegacias tivessem 1, 2 celas apenas, que comportassem 2, 4 pessoas, já que elas teriam de ficar ali só por um curto período. Mas só a delegacia do Alto Maracanã, em Colombo, tem 8 vagas e 40 presos.

Qual é o risco das delegacias com celas superlotadas, para a população e para o próprio policial?

O policial não recebe treinamento para ser carcereiro, para abrir uma cela, tirar um preso. Ele é treinado para investigar, ir para a rua e tirar o bandido da sociedade. Além disso, as delegacias geralmente estão próximas a áreas residenciais. É comum, logo após uma fuga, a gente capturar fugitivo no forro de residências. Há ainda o risco de se fazer o morador de refém. O desvio de função também faz com que o policial deixe de ir para a rua e investigar para ficar cuidando de presos. Nós sabemos que o governador disse não gostar disso, dos presos em delegacias. Então, gostaríamos que o governo atuasse para corrigir isso.

Em termos de estrutura, como está a polícia?

A gente tem de falar a verdade: armamento existe, armas boas e novas. Tivemos reclamação em relação aos coletes à prova de bala. O governo se movimentou e adquiriu 3 mil, que serão distribuídos inicialmente aos policiais novos e, depois, os coletas antigos serão trocados. Viatura também não falta. É uma ou outra sem rádio, mas parece que isso vai ser sanado. A estrutura está boa. O problema, volto a bater, é salário, preso e efetivo -- nesta ordem.

Qual é o problema em termos salariais?

O policial civil hoje precisa ter nível superior. Então, o justo seria a isonomia com outras carreiras do estado de nível superior. Tomamos por parâmetro o segundo tenente, que é a primeira carreira de nível superior da Polícia Militar e que recebe aproximadamente R$ 3,9 mil, enquanto que a primeira carreira da Polícia Civil, que é o investigador da quinta categoria, recebe R$ 1.955. Não é questão de o governo ter favorecido um ao outro. Mas queremos a isonomia. No mínimo, uma isonomia de nível superior com a PM.

O salário de delegado do Paraná é o segundo mais alto do Brasil (começa próximo de R$ 10,1 mil). A disparidade é muito grande entre o salário dos delegados e da base (escrivães e investigadores)?É imensa. Antigamente o investigador chegava a 65% do salário de delegado de primeira classe. Hoje, ele entra na polícia ganhando aproximadamente 20% do salário do delegado de primeira classe. E ambas as carreiras são de nível superior. Muitos desses novatos, como têm outra formação -- que inclusive facilita para conseguir um emprego na iniciativa privada, ganhando mais do que na polícia --, pensam "eu valho mais do que o que estou recebendo, então vou atrás de outro emprego". Tivemos muitas desistências na última turma: aproximadamente 40 dos que entraram se exoneraram. O profissional de segurança pública que ganha bem também diminui o risco de ser cooptado pelo crime organizado. A corrupção por conta do salário baixo explica, mas não justifica, vamos ressaltar. Mas o policial que tem o caráter mal formado, que tem fraqueza de espírito, acaba cedendo. Se ele for bem remunerado, diminui muito o risco de corrupção.

A atual gestão da Secretaria de Estado da Segurança Pública talvez seja a que mais tenha afastado policiais com desvio de conduta, não?

Com certeza. Não somos contra essa atuação. Não podemos admitir policiais corruptos na corporação. Mas a questão é: não é melhor tratar o doente? O baixo salário é como uma doença que mina a instituição como um todo. Quem trabalha bem e com vontade ganhando pouco?

Quais são as expectativas de progressão na carreira para quem entra na base da Polícia Civil?

O policial entra ganhando R$ 1.955 e a cada mudança de classe são 5%. Só se pode subir quatro classes entre os investigadores e três entre os escrivães. E a cada 5 anos temos o quinquênio, que progride mais 5% por ano. Então, em 30 anos, o salário aumenta em apenas 25%. Há ainda o fato de que o policial da base não pode ascender ao cargo de delegado, a menos que faça concurso externo, concorrendo com jovens que estão com a matéria quente na cabeça, que só estudaram até então.

A intenção é de que um investigador ou escrivão possa chegar a delegado por concurso interno? O objetivo é diminuir essa situação de não haver ascendência na carreira?

Exatamente. Como é na PM, onde o soldado pode chegar a coronel. É difícil, mas pode chegar. Na Polícia Civil essa ascendência nem em tese existe. O governador Requião já fez isso para a Polícia Militar (possibilidade de os praças ascenderem ao oficialato via concurso interno), agora queremos que o mesmo seja feito na Polícia Civil. Nosso objetivo é de que haja concursos internos para se chegar a delegado, desde que o policial seja bacharel em Direito, evidentemente.

Algum estado já tem carreira única na Polícia Civil?

Não, mas a maioria quer.

Que diferença faz ter um delegado novo já com a bagagem policial?

O delegado que já estava na carreira policial traz todo o conhecimento da profissão, inclusive no trato com a população. E o conhecimento da profissão é 50% no atendimento. É diferente de o delegado novato chegar a um ambiente com o qual nunca teve contato e atender alguém. Hoje encontramos pessoas em estado de miséria que surpreendem até a gente, que já tem experiência. Imagine, então, um novato. Esse contato com o povo pobre, humilde, miserável, o delegado que vem apenas com a faculdade não conhece. Inclusive as palavras, gírias que esse pessoal utiliza para se expressar. O rapaz que acabou de se formar na faculdade e passa no concurso para delegado tem seus méritos, é claro. Mas ele não tem a essência do cargo. Só fazer a burocracia não adianta. Ele tem também de acompanhar os seus policiais nas operações.

Como está a conversa com o governo em relação às reivindicações?

Fomos muito bem recebidos tanto pelo secretário Delazari quanto pela secretária Maria Marta Lunardon (Administração e Previdência). Estamos com muita esperança de que essa conversa chegue a um bom final.

Mas os policiais estão com indicativo de greve...

Sim. No dia 24 nos reuniremos e paralisaremos os trabalhos no mínimo no período desta reunião, com a manutenção de 30% do efetivo nas delegacias. Temos de consultar a classe. Temos compromisso do governo de que eles nos passarão o projeto de modernização da Polícia Civil. E também concordamos que antes do dia 24 eles nos sinalizariam uma proposta. Mas uma proposta sólida, não uma promessa. Nesse dia será passada à classe a oferta do governo para avaliarmos. E antes do dia 24 eles vão nos acenar a possibilidade de um aumento para o início de 2010.

Quando seria a greve, se ela vier a ocorrer?

Aí marcaremos nova assembleia, porque é preciso avisar o governo 72 horas antes. Se nessa assembleia for decidida a greve, devemos começar na outra semana.

Mas, pelo andar das coisas, qual é a previsão?

Estamos otimistas. O governo já entendeu nossa situação e inclusive reconhece o problema.

Qual é, exatamente, a pauta de reivindicação?

Salário. E o plano de carreira, cargos e salários, que a diretoria antiga do Sinclapol alardeava muito, mas que o próprio governo disse não existir. O que existe é um projeto de modernização da Polícia Civil. O governador, em 2005, constituiu uma comissão para realizar o plano de carreira e salários. Mas essa comissão não montou o plano, e sim um estudo para modernizar a polícia. Só que ninguém viu ainda essa proposta. Agora a secretaria vai nos fornecer esse papel.

Não existe um plano estruturado?

Existe um projeto. Seria um projeto de modernização da Polícia Civil. Mas não está concluído, não tem tabela de salário, não tem definição sobre aposentadoria especial. Não está pronto...

É só a intenção, por enquanto?

É um projeto.

Principais Manchetes

Receba nossas notícias NO CELULAR

WhatsappTelegram

WHATSAPP: As regras de privacidade dos grupos são definidas pelo WhatsApp. Ao entrar, seu número pode ser visto por outros integrantes do grupo.