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Artigo

Aprendizagem com carinho e com afeto

Quem já não ouviu falar um dito que proclama "... se não se aprende por amor, aprende-se pela dor"?

Aprender pode e deve ser o resultado de uma ação amorosa, porém, é preciso reconhecer que o amor que ensina é o amor que desestabiliza, contraria, opõe-se e testa nossos limites.

Se entendermos que aprendemos de diferentes maneiras – e esta é uma premissa aceita como verdadeira – também entenderemos que a aprendizagem é fruto da desestabilização dos conceitos que temos como verdadeiros, que acontece em muitos lugares, de diferentes maneiras, mas que sempre precisará da interação social como forma de apurar o desenvolvimento de processos cognitivos superiores.

É responsabilidade do mundo adulto ou daqueles que "sabem mais", mediar e aproximar os mais jovens, que supostamente "sabem menos", usando das ferramentas culturais disponíveis em cada uma das sociedades para que esses jovens possam internalizar, apropriar-se dos conceitos, das idéias, das linguagens, para uso autônomo e criador.

Assim pensam os estudiosos da educação hoje. Pensam a aprendizagem e o conhecimento não mais como mera informação – isso é a função dos livros, das revistas, dos jornais, dos sites, dos filmes – mas como um construto que encaminha à complexidade (da interpretação à aplicação real da informação, ou à transformação da informação). Hoje sabemos também que não somos (pais e educadores) os únicos agentes de aprendizagem e que ela ocorrerá durante todo o caminho de nossas vidas, pela interferência de inúmeros agentes. Mas também sabemos que nossa intermediação (família e escola) é imprescindível, e que dela dependerá não a quantidade das possíveis aprendizagens, mas a qualidade delas. Neste ponto está a mais pura demonstração de nosso afeto. É o verdadeiro afeto que possibilitará compreender o ato de educar.

Quando o ato de educar, com carinho, não compreende a aprendizagem como desestabilização e, temendo perder o afeto de quem se educa, não contraria, não propõe, não sobrepõe formas diferentes de se enxergar a mesma situação, a educação não acontece pelo amor, mas certamente acontecerá "pela dor" como no dito já citado, visto que a contrariedade virá pelos outros agentes educadores que encontraremos na vida e que talvez não tenham nem o tempo nem o desejo de nos educar com tanto carinho.

Um pai que contraria uma posição do filho, oferece-lhe um limite, opõe-se, faz com que ele construa novas formas de aprender, de relacionar-se, e ganha em amor que ensina, mesmo quando a reação imediata possa ser um "eu te odeio".

Um professor que mostra um erro de cálculo, se propõe a buscar com o aluno a forma de refazer, aponta um erro ortográfico e demonstra as razões de sua ocorrência, procurando qualificar a linguagem de quem aprende, não aceita uma pesquisa feita com simples cópia e ensina como usar a inferência, a comparação para criar, embora às vezes também receba o mesmo "ódio", estará contribuindo para a aprendizagem com o afeto de quem não deseja expor o aluno à "impaciência" dos demais agentes de aprendizagem, que talvez julguem-no como incapaz e não como sujeito aprendente.

O ato de aprender com carinho pode ser traduzido como um posicionamento de quem acompanha a trajetória de aprendizagens mediando e qualificando o que se aprende. Aprender com afeto é estabelecer relações com o que ainda não sabemos, com quem ainda não conhecemos, aprendendo com humanidade, respeitando as diferenças que nos possibilitam fazer parte desse grupo tão adorável que é o dos seres humanos.

Vera Izabel Pugsley Julião é pedagoga, especialista em Magistério de Ensino Fundamental e Médio e diretora do Colégio Novo Ateneu.

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