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Religião

Aqui tem uma igreja?

Quem for ao Shopping Curitiba e atravessar a Avenida Sete de Setembro para conferir os preços da concorrência, que se prepare para ajoelhar e rezar. O pequeno centro comercial na esquina com a Brigadeiro Franco tem de tudo um pouco – inclusive uma catedral – a bela Catedral de São Tiago, de confissão anglicana. Não se trata de um caso isolado. Reparando bem por aí, tem igreja em apartamento, em antigo cinema pornô, em loja, fábrica desativada e em barracão que já serviu de borracharia e depósito. O teste do "olhômetro" confirma a tendência. Os dados oficiais também.

Em 2004, foram encaminhados à prefeitura da capital 24 novos pedidos de alvará de funcionamento para igrejas – o equivalente a dois por mês. O número corresponde ao dobro da média dos últimos cinco anos. A burocracia é pequena. O resultado de uma consulta à prefeitura pode sair em três dias, sendo remetida, em seguida, ao Corpo de Bombeiros e à Secretaria Municipal de Meio Ambiente – que fazem exigências como isolamento acústico e equipamentos de segurança. Apenas uma zona da cidade, a número 1, por ser estritamente residencial, não permite a instalação de centros de culto. Mas tudo indica que a procura por espaços alternativos é a grande cruzada do momento.

Parece coisa do "fim dos tempos", ou melhor, "sinal dos tempos". Notadamente evangélicas, as confissões que estão deixando para trás o cenário clássico das grandes e sóbrias construções, com uma cruz na cobertura e jardins bem-cuidados por todos os lados, nada mais estão fazendo do que respondendo a uma época em que abrir um prédio de mil metros quadrados apenas para o culto de domingo merece um cisma.

A novidade tem suas razões. As confissões evangélicas – às quais, segundo o IBGE, corresponde 20% da população curitibana –, estão se distanciando aos poucos do estilo "arrasa-quarteirão" que fez escola nos anos 90, crescendo cerca de 15% no país. Com exceção de alguns grupos neopentecostais, a febre passou e muitas igrejas viram seu público minguar ou migrar de um templo para outro. Sem fiéis saindo pela janela, os superespaços para culto precisam agora ser reinventados e responder aos anos 2000 – quando centros religiosos cada vez mais parecem funcionar como ONGs, abrindo de segunda a segunda, dividindo o calendário de serviços religiosos com creche, restaurante e livraria. O barracão e a portinha vêm a calhar.

Dados do Serviço de Evangelização para a América Latina (Sepal), uma das mais completas fontes de informação sobre os evangélicos no Brasil, indicam a existência de 188 mil igrejas protestantes no território nacional. Mesmo sendo muitos – cerca de 20% da população –, os irmãos e irmãs estão pulverizados em tantas confissões e endereços que caminhar em Pequim, sozinho e à noite, deve ser mais fácil do que entender tantos nomes e congregações. O próprio Sepal estima que se os quase 35 milhões de evangélicos brasileiros fossem divididos pelo número de templos no país, restariam 185 cabeças por endereço. Deve-se levar em conta, porém, que apenas 6,5% dos adeptos são assíduos nos cultos de domingo. Um rebanho modesto, quiçá mais exigente.

À revelia das evidências, os templos em espaços não-convencionais ainda não se tornaram assunto da hora entre os evangélicos. Poucos enxergam na profusão de geminados "lojinha-apê-templo" algo mais do que uma nuvem passageira, pois como qualquer empresário ou pai de família, os pastores querem mesmo é exorcizar o aluguel. "A construção do templo ainda é uma cultura muito forte entre os evangélicos, apesar das vantagens dos espaços multiuso, que permitem criar mais vínculos com os participantes. Mas tem uma questão econômica. Quanto custa, em cinco anos, um aluguel de R$ 2 mil ao mês?", acrescenta o pastor Paulo Roberto Quintino, 45 anos, secretário-executivo da Convenção Brasileira das Igre-jas Evangélicas Irmãos Menonitas (Cobim), órgão que congrega 40 igrejas, 40 congregações e cerca de 20 pastores missionários.

A pergunta é boa. O cálculo é fácil. Resta saber se a manobra radical das igrejas por espaços nunca dantes visitados não vai ser a cara dos evangélicos nos anos 2000. Em religião, como se sabe, dois mais dois não são igual a quatro.

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