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Os dois saíram de lugares distantes. Ela, de Nilópolis; ele, de Manguinhos. De ônibus, ambos venceram quilômetros de distância e chegaram ao Arpoador. Nas areias democráticas, eles se dividiram. De short branco, à beira-mar, a auxiliar de escritório Edith Rodrigues Leal, de 21 anos, mal sentiu o bote sutil de X., de 16, que, ao vê-la distraída, levou seu celular. O adolescente, de 1,80m, saiu correndo; a jovem, com 1,63m, foi atrás. Imperava o ‘‘salve-se quem puder’’, apesar do patrulhamento reforçado. O mão-leve acabou sendo capturado por um policial. A história, que poderia ser só mais uma numa praia apinhada de gente no fim de semana, retrata as questões sociais e legais envolvidas na polêmica sobre a apreensão de jovens infratores. X. saiu da delegacia para a qual foi levado antes de Edith. Autuado por furto simples, que não prevê internação, ele, se quiser, logo estará de volta à praia. Edith, por sua vez, já deu adeus ao mar do Rio.

“Nunca mais volto ao Arpoador. Gostava de caminhar à beira-mar, só não mergulhava porque não sei nadar. Sempre achei bonito demais aquele lugar, que frequento desde os 16 anos, a mesma idade do garoto que me atacou”, desabafou Edith, garantindo que, passado o susto, não guarda ressentimento, mas vai passar a ir à praia somente na Região dos Lagos. “Quando o rapaz foi preso e me pediu desculpas, eu o xinguei. Queria bater nele. Ele tinha ficado com o meu celular, que acabei recuperando. Agora, com a cabeça mais fria, eu lhe perdoo”.

Justiça pune 12 adolescentes

Antes de chegar à pressão máxima, no domingo, a panela de pressão chamada Zona Sul começou a ser aquecida na véspera. No sábado, de acordo com o 1º Comando de Policiamento de Área (Centro, Zona Sul e Zona Norte), todos os 33 detidos nas confusões registradas em bairros da região foram soltos. Segundo policiais, 90% deles eram adolescentes. No dia seguinte, depois que a temperatura subiu mais, o quadro mudou. O Tribunal de Justiça informou, na terça-feira, que, de 29 adolescentes apreendidos, 13 já foram ouvidos em audiências. Desse total, apenas um foi liberado. Os outros foram encaminhados à internação. Dezesseis deverão ser ouvidos nesta quarta-feira.

O delegado titular da 12ª DP (Copacabana), Deoclécio de Assis Filho, disse que, duas semanas atrás, ficava impressionado com o número de jovens com registros criminais que chegavam à unidade após serem apreendidos durante revistas em ônibus feitas pela PM. Segundo ele, a quantidade diminuiu depois do último dia 10, quando a Justiça concedeu um habeas corpus coletivo proibindo a apreensão de crianças e adolescentes sem flagrante de crime.

“Dos que foram trazidos à delegacia nos últimos três meses, pelo menos 50 tinham antecedentes criminais”, disse o delegado, que, somente no fim de semana, viu seus agentes registrarem 71 furtos e 11 roubos ocorridos na orla.

Até domingo, Edith não se incomodava de percorrer mais de 30 quilômetros para ir ao Arpoador e voltar a Nilópolis. Perdeu a conta de quantos ônibus pegou da Baixada até a Pavuna, onde embarcava num trem do metrô, seguia para uma baldeação no Estácio e descia na Praça General Osório. Em seu último passeio, fez uma selfie com o namorado ao lado da estátua de Tom Jobim e lanchou antes de pisar na areia.

Policial também lamenta desfecho

Por volta das 15h, os dois viram um helicóptero sobrevoando o mar. O namorado desconfiou, mas ela disse que demorou a perceber “o clima estranho”. Edith, então, guardou o celular num bolso. Não adiantou: deu cinco passos e foi roubada por X.

“Corri feito doida atrás do garoto. Para se esconder, ele se sentou na areia. Não o vimos. Mas um cabo da PM viu o roubo e, agachado, começou a se aproximar do rapaz. O ladrão foi pego em flagrante. Eu digitei a senha para desbloquear o aparelho e provar ao policial que era meu”, contou Edith.

O adolescente levado por policiais militares para a 14ª DP (Leblon) foi liberado assim que seus pais apareceram na delegacia. Pelo Facebook, um PM, que se identificou como integrante do grupo que participou da apreensão de X., comentou que, assim como Edith, saiu da delegacia depois do infrator. Permaneceu no local por mais tempo para cumprir formalidades.

Edith afirmou que sua volta para casa foi marcada por alívio, mas também por cansaço e frustração. Mas ela não negou que teve sorte, pois, ao contrário de muitos outros banhistas assaltados, não foi agredida e ainda recuperou o celular.

“Saí da delegacia por volta das oito e meia da noite. A volta para casa não poderia ser mais angustiante. Depois de fazer o reconhecimento do adolescente e ser liberada, levei mais de duas horas para chegar em casa. Estava tudo engarrafado e superlotado. Para minha alegria, meu pai estava me esperando na Pavuna”, contou a auxiliar de escritório.

Além dos adolescentes detidos, seis adultos foram presos no fim de semana por roubos e furtos na Zona Sul. Pelo menos dois deles já respondiam a processos criminais. Quatro estão encarcerados no complexo penitenciário de Gericinó.

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