Encontre matérias e conteúdos da Gazeta do Povo
Meio ambiente

As dores de quem vive com chumbo nas veias

Contaminação por metais pesados é atribuída às minas de carvão da Klabin, que serão alagadas pela futura Hidrelétrica Mauá

Miranda, com a família ao fundo, costuma passar pinga na pele quando coça muito, pois não tem dinheiro para comprar remédio | Henry Milleo/Gazeta do Povo
Miranda, com a família ao fundo, costuma passar pinga na pele quando coça muito, pois não tem dinheiro para comprar remédio (Foto: Henry Milleo/Gazeta do Povo)

Telêmaco Borba - O lavrador João Maria Miranda, morador de um casebre próximo ao Rio Tibagi, na zona rural de Telêmaco Borba, nos Campos Gerais, sente fortes dores nos ossos e coceira intensa na pele. Aos 59 anos, diz que desde a infância tem contato direto com as águas e os peixes do rio. Exames realizados pela Universidade Estadual de Londrina (UEL) comprovam a concentração de metais pesados no rio, perto das usinas de carvão já desativadas pela Klabin, mas que deixaram rejeitos que liberam os elementos na natureza.

Exame laboratorial comprova a presença dos mesmos metais pesados no organismo do lavrador. A área será alagada pelo reservatório da usina hidrelétrica Mauá. Como a situação é inédita, os efeitos são desconhecidos. O principal receio é com o comprometimento da qualidade da água que abastece toda a região metropolitana de Londrina. Miranda atribui a contaminação aos resíduos das minas. Exame realizado em julho revela que a presença de cádmio e mercúrio estava perto dos limites de referência, enquanto a de chumbo superava o aceitável.

Conforme pesquisadores da UEL, a contaminação se dá principalmente pelo consumo de peixes. A equipe da doutora em Ecologia e Recursos Naturais Sirlei Terezinha Bennemann demonstrou em 2008 que o peixe mais consumido na região apresentava metais pesados em sua composição. Esses elementos se concentram no sedimento (solo) do rio, que serve de alimento para o corimba. A análise recente da água, feita pela equipe da doutora em Química Maria Josefa San­tos Yabe, revelou que a concentração de chumbo foi de 80 miligramas por quilo de sedimento, en­­quanto a média aceitável é de 20.

Também fizeram o exame a esposa de Miranda, Marina Antu­nes Teixeira Miranda, 51 anos, e o primo, Ismair Carvalho da Silva, 44 anos. Eles apresentaram a contaminação por metais pesados, embora em menor grau. Os três relatam dores intensas no corpo. "Tem dia que não dá para trabalhar, dói tudo", comenta Ismair. "Eu acho que tem mais gente contaminada, porque desde que a gente é criança vive aqui e já bebeu água ou comeu peixe do Tibagi", diz Marina. O irmão de Ismair, Inácio Silva, que morou muitos anos na localidade e hoje vive em Curitiba, calcula que haja pelo menos 300 ribeirinhos afetados.

"Foi descoberta a crista do iceberg", declara o advogado da organização não governamental Liga Ambiental, Rafael Filippin. Ele prepara um pedido à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e à Secretaria de Estado da Saúde para um levantamento epidemiológico nos ribeirinhos e nos indígenas da reserva de Mococa, que consomem o peixe do Tibagi. Por enquanto, os contaminados não recebem indenizações nem fazem tratamento médico. "Quan­do coça muito, eu passo pinga na pele", diz Miranda, que não tem dinheiro para comprar remédio.

A médica do Centro de Controle de Envenenamentos de Curitiba, Marlene Entres, não conhece o caso de Telêmaco Borba, mas diz que para se estabelecer uma relação entre o contaminado e o agente contaminante é preciso estudar a situação. Um único exame laboratorial não basta para dar um diagnóstico preciso. O chumbo provoca alterações no organismo que vão das mais leves, como fadiga e dor de cabeça, até as mais graves, como espasmos intestinais e paralisias musculares. O lado mais cruel da contaminação é o efeito sobre as crianças, pois pode comprometer o desenvolvimento cognitivo e ter até retardamento mental.

Recuperação

As minas foram operadas pela Klabin entre a década de 30 e o ano de 1993, quando a fábrica de papel e celulose decidiu suspender o funcionamento. Logo após a desativação, foram elaborados projetos de recuperação acompanhados pelo Instituto Ambiental do Paraná (IAP) e pelo Departamento Nacio­nal de Produção Mineral (DNPM).

Segundo o gerente de Meio Ambiente da Klabin, Júlio César Batista Nogueira, o processo foi concluído em 2000 com a retirada dos explosivos das minas. Desde então, a água é monitorada por laboratórios credenciados a órgãos governamentais. Nogueira garante que a qualidade da água do Tiba­gi está em acordo com a legislação ambiental e desconhece os resultados dos exames que mostraram a contaminação nos ribeirinhos.

A hidrelétrica

Depois de enfrentar um atraso de oito meses no início da construção, por causa de ações judiciais questionando os danos ambientais, a usina foi iniciada em julho de 2008 sem autorização da Assembleia Legislativa, que agora tenta barrá-la. A obra custará R$ 1,2 bilhão e é o principal em­­preendimento do Pro­grama de Aceleração do Cresci­mento (PAC) do governo federal no Sul do país. A usina está prevista para entrar em operação em 2011 e vai gerar energia para cerca de 1 milhão de habitantes.

Principais Manchetes

Receba nossas notícias NO CELULAR

WhatsappTelegram

WHATSAPP: As regras de privacidade dos grupos são definidas pelo WhatsApp. Ao entrar, seu número pode ser visto por outros integrantes do grupo.