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Julho de 2009: o vírus da gripe suína, agora chamado vírus influenza A(H1N1), conquista o planeta e começa a circular no Brasil. Em um mundo globalizado, com tráfego aéreo intenso, o vírus demorou apenas três meses para tomar conta das nações. Durante a epidemia mexicana, mais de 2 milhões de pessoas embarcaram nos aviões do México em direção a diversas cidades do planeta. É assim que as epidemias atuais percorrem o mundo de maneira rápida. No entanto, a história da globalização dos micro-organismos é antiga e lenta. Essa história pode ser contada ao estudarmos o DNA e RNA desses seres microscópicos.

Os primeiros parasitas que habitavam nosso território surgiram bem antes de o próprio homem chegar à América. Um ancestral do nosso parasita que causa a doença de Chagas habitava o território em que a América estava unida à África. Os continentes se separaram e esse ancestral evoluiu no solo brasileiro para formar o atual Trypanossoma cruzi, causador da doença de Chagas. Seu parente africano permaneceu em evolução para formar o parasita causador da doença do sono na África.

Os primeiros humanos que entraram na América pelo noroeste do continente trouxeram parasitas nos seus intestinos. Essas verminoses intestinais atapetariam nosso país e aqui permaneceriam. Aliás, o encontro desses parasitas em fezes fossilizadas demonstra que parte dos primeiros humanos chegou à América por embarcações. Se tivéssemos apenas entrado pelo estreito de Bering – com solo frio e seco –, não teríamos trazido parasitas que precisavam de um solo quente e úmido para seus ovos eclodirem. E múmias indígenas mostram o material genético da bactéria da tuberculose. Portanto, os primeiros americanos trouxeram a doença em seus pulmões.

A descoberta da América, no fim do século XV, criou uma ligação entre o Velho e o Novo Continente. As embarcações europeias trouxeram vírus desconhecidos dos índios americanos. Chegaram ao Brasil os vírus da varíola, do sarampo e da gripe. Esses três inimigos matariam mais de 80% da população indígena americana nos séculos seguintes. As epidemias vividas pelas populações indígenas brasileiras no litoral caminharam para o interior.

O DNA da bactéria causadora da lepra mostra também que nossas bactérias são descendentes daquelas dos europeus e africanos. Portanto, a colonização europeia e o tráfico de escravos trouxe a doença para o Brasil. Além disso, chegou o parasita causador da malária – que ocorria, até então, no litoral do Mediterrâneo e na África. Escravos africanos vieram com o parasita da esquistossomose. Evacuaram os ovos nas nossas lagoas que, por conterem o caramujo transmissor da doença, acolheram a doença chamada de "barriga d’água", comum nas lagoas, açudes e represas brasileiras.

As embarcações negreiras trouxeram o vírus da febre amarela, até então presente apenas na África, para as ilhas do Caribe. A doença se alastrou pelas colônias caribenhas. Em 1850, embarcações vindas do Caribe e sul dos Estados Unidos da América trouxeram o vírus para o Rio de Janeiro e Salvador. Os verões cariocas da segunda metade do século XIX eram visitados pelas epidemias de febre amarela.

Na segunda metade do século XX, o vírus da dengue presente no Sudeste Asiático foi trazido para o Brasil pelas embarcações. Na mesma época disseminava-se pelo planeta o vírus da aids, nascido na África. Os aviões vieram em auxílio dos micro-organismos.

Hoje vemos a capacidade de locomoção das doenças pelo planeta e a velocidade do surgimento de epidemias, mas a genética mostra uma globalização antiga e lenta. Sua velocidade aumenta em conjunto com a rapidez do deslocamento humano.

Stefan Cunha Ujvari é médico infectologista, autor do livro A história da humanidade contada pelos vírus (editora Contexto).

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