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Wanda Kaminski Golemba, 71 anos, faz quase tudo sempre igual. Desde que nasceu, ela mora no mesmo bairro, a antiga Colônia Orleans, em Curitiba. Ali, casou-se e teve filhos – dois. Há mais de três décadas, já viúva, abriu na redondeza um supermercado, no qual trabalha todos os dias. É o seu canto. Da cortina de vidro vê a Paróquia Santo Antônio, cenário que marcou sua infância, a idade adulta e a maturidade. Mas do fim de 2004 para cá, a rotina de dona Wanda foi alterada. Em vez de olhar a igreja, ela passou a caminhar ao redor dela.

Duas vezes por semana, por volta das oito da manhã, a veterana fecha as gavetas no estabelecimento, atravessa a ponte por cima da Rodovia do Café e se integra a um grupo de 55 moradores de seu bairro, participantes de um programa de atividades físicas e educativas oferecido pela prefeitura a hipertensos, diabéticos e a gente da terceira idade em geral.

Noventa e oito das 105 unidades de saúde da cidade acolheram a idéia, que atende cerca de 110 mil inscritos. É o mais alto grau de adesão a um serviço do setor de saúde do município, mesmo que o acompanhamento não seja semanal para todos. Muitos fazem uma consulta por mês. Mesmo assim, supera o Mãe Curitibana, que em seis anos atendeu 80 mil gestantes; e o Saúde Mental, voltado principalmente para a clientela com quadro de depressão, hoje com mais de 48 mil participantes (veja quadro).

Estatística

Estima-se que entre 15% e 20% da população adulta mundial sofra de pressão alta, a hipertensão. Por essa conta, Curitiba seria o endereço de cerca de 230 mil hipertensos. Quanto à diabete, deve atingir 7,6% dos brasileiros com idade variando entre 30 e 69 anos – um cálculo que põe em risco cerca de 500 mil moradores da cidade. É para esse público gigantesco que o programa de saúde prevê caminhada e fisioterapia a baixo custo. O modelo varia de unidade para unidade. Ganha extensões em salões paroquiais emprestados, ginásios de escolas e bosques próximos

Em Orleans, por exemplo, terça-feira é dia de alongamento – orientado pela fisioterapeuta Denise Zanatta, 29 anos. Na quinta tem caminhada – um quilômetro nas imediações do cartão-postal do bairro, a Santo Antônio. Quem passa de carro e vê os caminhantes não esconde a surpresa. Nem as piadinhas simpáticas pela janela. Segundo consta, o assédio provoca gargalhadas. Para a vizinhança, muitas vezes, a passagem do grupo é um momento de encontro de velhos conhecidos dos tempos em que tudo aquilo era colônia. "É comum alguém abrir o portão e vir cumprimentar o pessoal", observa Denise.

Para os participantes, o programa é uma medida simples e barata que ajuda a controlar a pressão arterial, manter o peso ideal, fazer amizade, quebrar a rotina e não passar os dias vendo a paisagem na janela. "Poxa! Não tem quase nada para velho fazer", diz Wanda, que só deixa de comparecer à unidade de saúde por motivo de viagem. Há dez anos ela teve enfarte e uma ressonância magnética acusou um pequeno derrame. Remédio: exercício. Mas sem companhia, não tinha ânimo para dar uma mísera volta na quadra.

Em alguns postos, a prática da caminhada ganhou tanta simpatia que os participantes desenvolveram uma espécie de espírito de time de futebol. Na Vila Clarice – uma das divisas que formam o bairro do Novo Mundo – a turma da caminhada se exercita numa quadra emprestada no Conjunto Gralha-Azul e usa camisetas personalizadas. Facilita a identificação, mas também traduz o prazer de estar junto e de fazer parte de alguma coisa. Outro destaque é a Unidade Irmã Tereza Araújo, no Boqueirão, onde a idéia de caminhar na quadra surgiu de uma parceria com a Secretaria de Esporte e Lazer.

A febre das cruzadas de hipertensos, diabéticos e simpatizantes surpreendeu os próprios profissionais da Secretaria de Saúde. Em parte, o aumento de adesões se deu porque a classe média migra cada vez mais dos planos de saúde para o SUS. Mas não é tudo. Independentemente dos 100 mil participantes, a médica Eliana Chomatas, que dirige o Centro de Informações da secretaria, destaca o impacto que o programa provocou nos encontros bienais de saúde comunitária, uma espécie de fórum de políticas públicas para o setor. Afinal, é simples como um laço de fita e vem conseguindo o que os profissionais da medicina, enfermagem e afins batalham uma existência inteira para conseguir: modificar hábitos.

"Não falta informação sobre o que faz mal. O difícil é conseguir que as pessoas incorporem novas formas de se alimentar e a prática de exercícios. E as caminhadas vêm conseguindo isso. O segredo está na motivação: um leva o outro e têm o prazer de estar juntos", festeja Eliane.

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