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Avanço da comunidade negra no ambiente universitário ainda é lento

Uma década após o início da adoção de cotas nas universidades públicas do Paraná, índice de estudantes negros continua é baixo

 | Pauline Almeida
(Foto: Pauline Almeida)

Apesar de ter quase 30% da população composta por pretos e pardos, conforme a classificação do IBGE, o Paraná não consegue reproduzir esse mesmo índice no ensino superior público – mesmo após uma década do início da adoção de ações afirmativas nas universidades do estado. Na Universidade Estadual de Londrina (UEL), por exemplo, que mantém cotas sociais e raciais desde 2004, os alunos pretos e pardos chegam perto dos 20%, enquanto o município tem 26,07% de sua população formada por negros, segundo o Censo de 2010 do IBGE. Já na Universidade Estadual de Maringá (UEM), onde existe apenas reserva de vagas para alunos de escola pública, a porcentagem é de 15%.

INFOGRÁFICO: Veja o número de cotistas que ingressam nos cursos de graduação no Paraná

Tema que deve voltar à discussão nesta semana – o Dia Nacional da Consciência Negra se comemora hoje –, a implantação das cotas raciais está longe de um consenso no Paraná. Das sete universidades estaduais, apenas duas (UEL e Universidade Estadual de Ponta Grossa) destinam vagas para a comunidade negra, além da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR). Na UEL, 40% das vagas de cada curso são reservadas a estudantes que fizeram o ensino fundamental e o médio em escola pública. Destas, metade (20%) é disputada pelos candidatos que se autodeclaram negros. No vestibular da UEPG, 50% das vagas são reservadas para cotistas, sendo 40% para alunos de escola pública e apenas 10% para alunos negros de escolas públicas.

Se boa parte das pessoas entende que a desigualdade econômica afeta o desempenho acadêmico dos candidatos ao vestibular, nem todos percebem a questão racial como uma dificuldade extra para o ingresso de um negro na universidade. Para o professor Jairo Pacheco, porém, as cotas sociais não são suficientemente capazes de atender às demandas raciais. Ele mesmo era contra as vagas para pretos e pardos, mas mudou seu posicionamento ao se deparar com periferias de maioria negra, cuja juventude é a principal vítima da marginalização e da violência.

"A gente conta com várias políticas afirmativas no Brasil, como para as pessoas com deficiência, mulheres. Quando você cria uma cota para as mulheres aumentarem sua representação política, ninguém pensa nisso como desvalorização. Por que isso ocorre no caso dos negros?", questiona.

Marcelo Tragtenberg, presidente da Comissão Institucional de Acompanhamento e Avaliação do Programa de Ações Afirmativas da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), defende a necessidade das cotas raciais, pois acredita que o racismo gera uma desigualdade estrutural, não vencida apenas com as vagas para alunos de escola pública. "Na UFSC, a gente fez uma pesquisa em 2005, corroborada com outra em 2012, que mostrou que se tivéssemos tirado as cotas para negros, nós teríamos diminuído o porcentual desses alunos na universidade, pois existe um efeito de discriminação suplementar", diz.

No estado com maior população branca do país, a UFSC conseguiu chegar aos 15% de alunos negros, o mesmo porcentual da raça na composição societária. Desde 2008, a instituição reserva vagas para as cotas raciais.

Perfil dos estudantes

Desde a vigência das cotas, a UEL tem registrado uma mudança no perfil do aluno. Até 2004 (início das ações afirmativas), 30% dos estudantes tinham famílias com vencimentos superiores a dez salários mínimos, número que caiu para 15% já em 2008.

Matrículas via cotas raciais diminuem

Pauline Almeida e Maria Gizele da Silva, da sucursal de Ponta Grossa

A aprovação de ações afirmativas para estudantes negros ganhou força no Brasil a partir de 2002. Mas a discussão sobre as cotas e mesmo a sua adoção não têm dado conta de aumentar o número de universitários negros que ingressam nos cursos de graduação pela reserva de vagas, como mostram os dados da UEPG. Com cotas raciais desde 2007, a instituição chegou a ter 248 cotistas negros matriculados no primeiro vestibular, mas o número caiu para 37 neste ano. A UEPG não tem um levantamento sobre o total de alunos negros (cotistas e não cotistas) matriculados na universidade.

O pró-reitor de Graduação da UEPG, Miguel de Freitas Junior, considera que a queda se deve ao fato de muitos candidatos terem sido barrados na banca de comprovação, que avalia se o vestibulando é, de fato, preto ou pardo. Até 2009, a banca examinadora dava o aval após o vestibular, ou seja, depois de o candidato ter conquistado a vaga na graduação. A partir daquele ano, a banca passou a entrevistar o vestibulando antes das provas. Caso ele não fosse considerado negro, ainda poderia disputar uma vaga pela cota social – entre 2007 e 2014, o número de cotistas sociais matriculados na universidade subiu de 436 para 778.

Uma mudança significativa ocorrerá a partir do próximo vestibular de verão, marcado para dezembro. A banca de comprovação foi extinta e agora, para concorrer a uma vaga na UEPG pelo sistema de cotas raciais, basta assinar um formulário se autodeclarando negro. "Não sabemos o que vai acontecer com os números a partir de agora", comenta o pró-reitor. A UEPG tentou suspender o regime de cotas raciais em 2013, mas a pressão de militantes fez a instituição rever a posição.

UEL

Na UEL, o número de cotistas negros matriculados caiu de 279 em 2005 para 122 em 2012. Na avaliação da coordenadora do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da universidade, Maria Nilza da Silva, a redução se dá por um conjunto de fatores, como a opção pelas instituições particulares por meio do Programa Universidade para Todos (ProUni). Segundo ela, a concepção de que o acesso ao ensino superior público é intangível afasta vários candidatos do vestibular na UEL. Também entram nessa equação os fatores do racismo e as críticas às cotas raciais, que desestimulam o vestibulando a utilizar a ação afirmativa.

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