
Como realizar obras de infraestrutura no Litoral do Paraná sem dizimar a área que tem a paisagem natural mais preservada do estado? Esse é o dilema que envolve grandes investimentos na porção leste do Paraná. Enquanto as demais regiões têm, no máximo, 22% da vegetação nativa conservada, no litoral o índice salta para 71%. Os dados são da pesquisa "Indicadores de Desenvolvimento Sustentável", realizada pelo Ipardes e divulgada em dezembro. Uma barreira natural a Serra do Mar é a responsável por represar empreendimentos, mas também por garantir a preservação da área.
INFOGRÁFICO: Confira alguns empreendimentos que estão sendo discutidos para o Litoral do Paraná
Os problemas gerados pela ausência de infraestrutura também estão em debate. "Todo crescimento econômico gera impacto. Mas a falta do desenvolvimento gera um impacto maior ainda, porque há pobreza, áreas de invasão, desmatamento, enormes congestionamentos", comenta João Arthur Mohr, consultor de infraestrutura da Federação das Indústrias do Estado do Paraná (Fiep).
Ele defende que empreendimentos projetados com o devido cuidado podem significar desenvolvimento com preservação ambiental. Um exemplo seria a proposta de construir um porto em Pontal do Paraná. O projeto prevê que os investidores comprariam e manteriam conservada uma área de 48 mil hectares maior que Curitiba.
Observatório
Analisar projetos e sugerir alterações é uma das missões da ONG Observatório de Conservação Costeira do Paraná, que reúne ambientalistas de várias entidades. Os integrantes se envolveram principalmente com a análise do Zoneamento Ecológico Econômico (ZEE) do Litoral, levantamento que define quais empreendimentos são permitidos nas diversas áreas (veja texto ao lado).
"O Observatório não é contra obras de infraestrutura nem empresas no litoral. A questão é justamente o que está em jogo, até que ponto essas obras atendem ao interesse público e que tipo de compensações [no caso de viabilidade e licenciamento obtidos] serão realizadas e como serão geridas e aplicadas", explica o ambientalista Clóvis Borges, integrante do Observatório. Ele ressalta que, muitas vezes, a sensação local é de que todo investimento que for feito é bem-vindo, independentemente das consequências sociais e ambientais. "Se não houver cuidado, Pontal do Paraná vai virar uma Paranaguá piorada", diz, referindo-se aos problemas sociais advindos do Porto de Paranaguá.
A Gazeta do Povo tentou uma entrevista com o secretário estadual de Infraestrutura e Logística, José Richa Filho, para falar sobre o tema, mas foi informada pela assessoria de imprensa que ele não tinha tempo disponível na agenda.
Alep rechaça "canetada"
No início do mês, o governo estadual tentou aprovar um projeto de lei que permitia definir o Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE) por decreto, sem necessidade de passar pela Assembleia Legislativa (Alep). Os deputados reclamaram e tiraram o projeto de votação. No caso do Litoral, o governo alega que foram realizados estudos profundos e duas audiências públicas.
O ambientalista Clóvis Borges avalia que o tempo dedicado ao ZEE do Litoral não resultou em um trabalho adequado. "O documento original é ruim. Os capítulos são um conjunto não conectado de informações e que não dão elementos para a projeção do mapa de uso do Litoral", afirma.
Além disso, ele diz que o estudo abre brechas para a realização de empreendimentos questionáveis. "Onde há interesse de exploração, o zoneamento flexibiliza o uso."
Ferrovia Maracaju-Paranaguá é exemplo de negociação bem sucedida
Um exemplo de que os interesses econômicos e ambientais podem ser conciliados é o projeto da nova ferrovia Maracaju-Paranaguá. Inicialmente, o traçado passaria por uma área densa de mata atlântica na Serra do Mar e por uma região que está prestes a se transformar no Parque Nacional de Guaricana. "Foram estudados sete traçados para a descida da serra. Um deles foi considerado viável do ponto de vista técnico, econômico e ambiental", conta o consultor de infraestrutura da Fiep, João Arthur Mohr.
Para ele, o segredo foi envolver a comunidade interessada desde o início do projeto e não só comunicar a decisão de fazer uma obra depois que tudo já foi definido. "Mas não adianta reunir quem é só do contra, que não quer contribuir. Só há avanço quando as pessoas estão abertas ao debate e dispostas a apresentar sugestões", diz.
Para Clóvis Borges, integrante do Observatório de Conservação Costeira, a discussão sobre o traçado da ferrovia é "um bom exemplo de que as grandes obras podem ser discutidas em alto nível e buscar caminhos de meio termo".
Outro caso em que o debate levou a avanços foi a discussão sobre o uso de um canal na Ilha da Cotinga para um novo terminal do Porto de Paranaguá. A comunidade se uniu e conseguiu mostrar que seria negativamente impactada pela obra que mudou de lugar.



