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Infância

Bate-papo sobre a mídia revela meninos em conflito com a notícia

Moradores de 4 Pinheiros elegem profissão repórter tema de debate na semana da criança

Sting: sem dom para as rimas | Arquivo Gazeta do Povo
Sting: sem dom para as rimas (Foto: Arquivo Gazeta do Povo)

O auditório da Chácara dos Meninos de 4 Pinheiros, em Mandirituba – região metropolitana de Curitiba –, tem poucos adornos. No salão vazio, com piso de azulejos brancos, vê-se o modesto palco ao fundo e nada mais. Ou quase nada. No cenário franciscano onde transitam cerca de 80 crianças e adolescentes que experimentaram situação de abandono e violência, destaca-se uma série de cartazetes enfileirados nas paredes, nos quais consta o nome dos moradores da casa e a profissão que cada um sonha seguir.

Está escrito: Alan Rafael quer ser caminhoneiro; Jhonatan Felipe, bombeiro e Jonathan Gomes trabalhar numa ONG que ajude as vítimas da aids. Carlos Rodrigues e Jocemar da Costa planejam ser cantores; Paulo da Costa vai ser goleiro e Rodolfo de Souza, advogado. Arrisca que 50% dos demais queiram ser jogadores de futebol, embora lidar com computadores seja uma das carreiras em ascensão no banco de talentos da chácara. Em tempo, não faltam candidatos a motoristas de ônibus ou a skatistas, particularmente entre as crianças.

A lista – uma versão local do famoso "o que você vai ser quando crescer" – funciona como uma sala de retratos das formaturas que ainda não aconteceram. Mas que têm tudo para acontecer. É preciso que os garotos não se esqueçam disso. Para se prevenir dos casos em que a memória insiste em falhar, o educador Fernando Francisco de Góis – criador e idealizador da chácara – providenciou uma grande faixa em que está escrito: "Sonho que se sonha junto se torna realidade". A frase tem mais autoridade por ali que o "Ordem e Progresso" da Bandeira Nacional.

Não é sua única estratégia de Góis em prol da auto-estima dos garotos. Todos os anos, na Semana da Criança – ocasião em que a chácara se abre para encontros com professores de Mandirituba, voluntários, familiares, padrinhos e benfeitores do abrigo –, Góis pede que os meninos elejam uma profissão, convida profissionais da área e promove um encontro temático com a rapaziada. Em 2007, a escolha recaiu sobre o jornalismo, atividade que divide o paladar dos moradores. Há quem esteja em dúvida sobre a rotina agitada de uma redação e a glória de um campo de futebol.

Para ajudar a dizimar as dúvidas, uma roda de conversa, na última quinta-feira, reuniu os jornalistas Lizely Borges, da agência Ciranda, de direitos da infância; Joanita Ramos, professora da faculdade Essei e da pós-graduação em Jornalismo Literário da Faculdade Vicentina; José Carlos Fernandes, da Gazeta do Povo e o acadêmico de Jornalismo Guylherme Custódio, do UnicenP. Da informalidade inicial, logo o bate-papo ganhou o status de amostragem de como crianças e adolescentes em situação de risco vêem a ação da mídia.

Eles querem saber, por exemplo, por que as derrotas dos um dia chamados de "menores" ganham mais espaço nos jornais, revistas e tevês do que as vitórias. "Eu gostaria que o movimento hip-hop fosse sempre notícia. Porque quando o cara canta todas aquelas coisas, ele nunca mais volta a fazer o que já fez um dia", reivindica Marcos Paulo Almeida, no que é apoiado com todas as letras por seu colega de chácara Gustavo Euzébio.

Dúvidas

Marcos e Gustavo têm 16 anos, não sonham cumprir pauta na imprensa quando chegarem à vida adulta, mas, segundo testemunharam, se enchem de dúvidas a cada vez que pegam um jornal nas mãos. A dupla se destacou no debate do qual participaram 20 garotos da 4 Pinheiros ao pedir da turma da imprensa uma explicação para "tanta notícias ruim". "Por que não notícia boa?" Nem o velho chavão de que "notícia não é quando o cachorro morde o homem, mas quando o homem morde o cachorro" serviu de resposta.

É natural. Mais do que ninguém, os meninos da chácara sentem na pele o peso de informações sobre o mundo cão. Muito cedo conheceram o sentido de palavras como violência, abandono, e viram cenas que a maioria dos leitores e telespectadores conhecem apenas dos jornais e da tevê. Ao participarem de um projeto como o criado por Fernando de Góis, encontraram a tal da "notícia boa" que gostariam de ver estampada por aí. Não é o que acontece, pelo menos não com a freqüência que os entrevistadores -mirins gostariam.

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